Colocar pedaços de madeiras infusionados na cachaça pode, em um curto período de tempo, trazer resultados semelhantes ao armazenamento por meses ou anos em dornas e barris – principalmente se houver auxilio de equipamento para micro oxigenação. Há ainda cientistas da Universidade de São Paulo que encontraram uma forma de acelerar o processo de envelhecimento da cachaça com a ajuda de radiação gama.
No passado a legislação brasileira não permitia o uso de chips, lascas ou radiação para agregar cor, aroma e sabor ao destilado nacional. Quem usava esses recursos para forjar o envelhecimento da cachaça e agregar valor ao seu produto está enganando o consumidor – a prática, portanto, era combatida. Mas mudanças na legislação da cachaça, agora permitem o uso dessas técnicas para produção do destilado brasileiro.
No passado, a legislação da cachaça proibia o uso de lascas de madeira e maravalhas para alterar a cor original do produto armazenado ou envelhecido, bem como do produto submetido a esses processos.
Com as alterações introduzidas pela Portaria Mapa nº 539, de 26 de dezembro de 2022, agora é permitido o uso de fragmentos de madeira com o propósito de conferir características sensoriais à bebida, desde que essa informação seja mencionada no rótulo do produto. No entanto, o uso de termos que sugiram envelhecimento continua proibido.
Somos a favor do fair play no mercado da cachaça, quando o produtor deve declarar no rótulo a prática de envelhecimento acelerado. E também da valorização do envelhecimento tradicional em barris e dornas, principalmente por possibilitar um envelhecimento mais rico ao agregar os benefícios da oxigenação da cachaça durantes os meses e anos de maturação na madeira.
Mas a mudança na lei possibilitando o uso controlado da chipagem, além de ajudar na padronização da bebida, pode ser um recurso para tornar mais sustentável e acessível o uso de madeiras, principalmente as nacionais ameaçadas de extinção. Produtores de uísque, vinho e rum já utilizam chips associados ao envelhecimento tradicional em barris para melhorar a qualidade da bebida e reduzir custos.
O barril esvaziou? Será que tem alguém bebendo às escondidas? Não se esqueça da Cota dos Anjos – porcentagem de cachaça que acaba evaporando. Em barris condicionados em ambientes secos, há a tendência de evaporação da água, aumentando o teor alcoólico do destilado. Em ambientes úmidos, a evaporação do álcool ocasiona a diminuição do teor alcoólico.
O uso de chips de madeiras de árvores ameaçadas de extinção poderia diminuir a demanda por essas árvores nativas para produção de barricas e dornas.
Algumas das madeiras utilizadas para envelhecer cachaça estão enfrentando sérios riscos de extinção. Um exemplo é a amburana, uma espécie nativa do Brasil que confere um aroma distintivo à bebida. Devido à exploração descontrolada e ao desmatamento, a amburana está cada vez mais escassa, fazendo com que seu uso na produção de cachaça seja cada vez mais limitado.
Outra madeira ameaçada de extinção é o jequitibá-rosa. Essa madeira nobre é valorizada pela sua capacidade de proporcionar um envelhecimento suave e equilibrado à cachaça. No entanto, a extração irresponsável e a falta de políticas de conservação têm levado ao declínio da população de jequitibá-rosa, tornando-o cada vez mais difícil de encontrar e aumentando os desafios enfrentados pelos produtores que desejam utilizar essa madeira em seus barris de envelhecimento. A preservação dessas espécies de madeira é essencial para a sustentabilidade da indústria da cachaça e para a manutenção das características sensoriais únicas dessa bebida tão apreciada.
A popularização de chips, lascas e barris pelos consumidores pode ser uma maneira interessante de mostrarmos o potencial da cachaça e das madeiras usadas para seu envelhecimento. E dessa forma, podemos trazer discussões fundamentais sobre economia sustentável, efeitos fisiológicos dos componentes presentes nas madeiras, enriquecer a paleta de cores, aromas e sabores da cachaça e intensificar os estudos e registros mais detalhados sobre as árvores nativas.
Por exemplo, você sabia que a cumarina, composto mais presente na amburana, pode ser tóxica para o fígado se consumida em excesso? Será que nossas cachaças hoje estão com níveis aceitáveis de cumarina? Precisamos de um mercado consciente e mais crítico para trazermos esse tipo de discussão.
As madeiras infusionadas em cachaça por curiosos, entusiastas, especialistas, cozinheiros, bartenders para experimentos em casa ou no local de trabalho poderá ajudar na difusão de conhecimento sobre a bebida e nossas madeiras – gerando diálogos e questionamentos que só tendem a favorecer o mercado.
A cerveja artesanal teve uma evolução nítida com o movimento dos homebrewers – aqueles apaixonados por cerveja que começaram a produzir em casa por hobby – efeito semelhante pode ser alcançado com mais pessoas fazendo seus blends de cachaça em casa.
Uma das práticas de envelhecimento acelerado mais comuns é colocar dadinhos de madeira na cachaça. Os dadinhos são madeiras cortados na forma de cubos de 1 cm de lado e podem ser verdes ou tostadas.
Para destilados ou bases alcoólicas de 40% de teor alcoólico é recomendado de 3 a 4 dadinhos por até 30 dias. Em poucos dias, a bebida já começa a ganhar coloração e os aromas e sabores característicos da madeira.
Outra maneira de acelerar o processo de envelhecimento da cachaça é pela radioatividade. Cientistas da Universidade de São Paulo encontraram uma forma de acelerar o processo de envelhecimento da cachaça com a ajuda de radiação gama. A cachaça contida no tonel de madeira é irradiada por uma máquina que ioniza os átomos e desencadeia reações químicas que aceleram o processo de envelhecimento.
De acordo com a pesquisa, houve correlação entre as doses de radiação gama aplicadas e os teores de compostos voláteis (acetaldeído, ésteres e álcoois superiores) das amostras de aguardente de cana-de-açúcar recém-destiladas contidas em tonéis de madeira e em todas as amostras usadas no experimento. Após 45 minutos, a cachaça radioativa não teve diferença significativa entre as amostras, irradiadas ou não, em relação ao aroma, sabor e impressão global. Em relação a cor, no entanto, houve diferença significativa entre elas. Embora tenha ocorrido um aumento dos teores de metanol em todas as amostras de aguardente, por ação da radiação, estes foram muito inferiores ao limite estabelecido pela Legislação Brasileira. Houve também diminuição da graduação alcoólica e do pH quando as amostras foram irradiadas. A quantidade de radiação é considerada baixa pelos físicos, portanto, não há risco de contaminação.
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