Madeiras amazônicas são tendências no envelhecimento de cachaça

  • Publicado 2 anos atrás

O casamento entre a tanoaria com as madeiras nacionais ganha nova chance graças às madeiras amazônicas. O bioma terrestre mais rico do planeta, com mais de 2500 espécies catalogadas, guarda também madeiras com características muito similares às encontradas na Mata Atlântica

Um dos principais fatores que proporcionam identidade sensorial tanto em bebidas destiladas quanto em bebidas fermentadas, os barris e as dornas foram inventados inicialmente para transporte de bebidas, possibilitando assim o comércio de produtos como o vinho e a cerveja entre povos antigos ainda no século primeiro antes de Cristo. Na Idade Média, descobriu-se que o contato a longo prazo com a madeira transforma o líquido contido nos artefatos agregando peculiaridades sensoriais às bebidas. Este foi um dos motivos para a popularização da tanoaria, uma arte tão refinada que alguns reis tinham um próprio tanoeiro para atendimento exclusivo.

No Brasil, o encontro da tanoaria com a cachaça aconteceu de forma natural quando os portugueses utilizaram os barris de carvalho europeu para armazenar o novo destilado fabricado da cana-de-açúcar. Alguns séculos após as primeiras experiências, o casamento entre a cachaça e o carvalho perdura, mas as potencialidades vindas dos nossos biomas ampliaram o repertório de madeiras a serem utilizadas para o envelhecimento da cachaça.

Edson Martins, um dos mais requisitados profissionais da arte de elaborar barris e dornas no Brasil, revela que, apesar da devastação da mata atlântica, o potencial das madeiras legais vindas da Amazônia para o envelhecimento da cachaça ainda é muito grande.

“Madeiras nativas da Mata Atlântica como amburana, o bálsamo, o putumuju e o jequitibá deram outros caminhos à cachaça introduzindo aromas e outras características exclusivas.”

Edson Martins, tanoeiro

Edson Martins, é tanoeiro que dispensa comentários no mundo das bebidas artesanais. A frente das Dornas Havanas, os artefatos produzidos sob a supervisão de Edson estão entre os mais requisitados não só por cachaceiros, mas por fabricantes de vinhos, cervejas e outras bebidas.

Mercado da cachaça: valorização e proteção da flora brasileira

Revisitando a trajetória, o mestre conta que não chegou a trabalhar com madeiras vindas da Mata Atlântica por conta da destruição do bioma que atualmente conta com aproximadamente 12% da cobertura original. 

“Muita gente não sabe, mas a exploração desenfreada não é um fenômeno recente. Certamente, a tanoaria é responsável por menos de um por cento da extração de madeira no Brasil, mas madeiras como a amburana são muito requisitadas principalmente no exterior para a construção civil, marcenaria e outros fins. Foi preciso a elaboração de leis para que o processo de exploração exacerbada não acabasse de vez com a Mata Atlântica. O que proibiu também a utilização para a tanoaria”,

Destaca Edson Martins
Madeiras em extinção

Neste cenário, um fator foi determinante para que o envelhecimento de bebidas em madeiras brasileiras não fosse drasticamente reduzido. O casamento entre a tanoaria com as madeiras nacionais ganhou nova chance graças a Floresta Amazônica. O bioma terrestre mais rico do planeta, com mais de 2500 espécies catalogadas, guarda também madeiras com características muito similares às encontradas na Mata Atlântica. Árvores como a amburana, o bálsamo, o jequitibá, o Ipê e o cumarú também são encontradas no território amazônico, o que proporcionou que a produção de barris e dornas se estabelecessem além do carvalho vindo dos Estados Unidos, França e leste europeu. 

“Na Floresta Amazônica, por exemplo, encontramos uma espécie de amburana muito similar a encontrada no que resta da Mata Atlântica. A madeira possui muito floral, o que é excelente para trabalhar tanto com fermentados quanto com destilados. Fazemos questão em nossa empresa de utilizar somente madeira legal que sabemos a procedência para que não se repita o que aconteceu no passado”.

Edson Martins

Edson lembra que a utilização do carvalho ainda é preponderante no mercado de cachaça envelhecidas, mas, cada vez mais, os cachaceiros trabalham com madeiras amazônicas como a castanheira, espécie muito explorada por seu fruto, mas que também pode ser utilizada para a tanoaria, proporcionando uma bebida bastante suave e levemente adocicada. Ainda de acordo com o especialista, o potencial das madeiras amazônicas na confecção de barris e dornas é enorme, pois estão sendo realizados estudos que podem confirmar a utilização de mais espécies nativas.

Tabela de madeiras com amburana, bálsamo, carvalho, cedrinho, eucalipto, jequitibá rosa
Madeiras importadas ou da Mata Atlântica são usadas para envelhecer cachaça. Qual o potencial das madeiras amazônicas?

Recentemente, o biólogo Eduardo Martins realizou um estudo com mais de 270 espécies típicas da Amazônia que constatou que 12 são muito promissoras para o trabalho com tanoaria. Atualmente, o estudo aguarda financiamento para experiências referentes à segurança alimentar.

É um processo científico que requer atenção, pois precisamos ter certeza da não toxicidade das madeiras, mas saber que existem mais possibilidades é muito promissor principalmente porque o estudo se concentra em espécies pouco visadas pelo mercado internacional”.

Edson Martins

Avançando na fabricação de artefatos com tanoaria sustentável, Edson Martins conta que  também tem trabalhado com madeiras estrangeiras muito adaptadas à realidade climática e econômica do Brasil como o eucalipto e a jaqueira.

Depois de experiências com 12 espécies distintas de eucaliptos, chegamos a conclusão de que 3 podem fornecer bons resultados de envelhecimento. Quanto às jaqueiras, são árvores de origem africana muito bem adaptadas ao Brasil. Estamos utilizando as espécimes mais velhas, ampliando assim a utilidade  econômica das árvores que não dão mais frutos, mas podem servir para a tanoaria.”

Edson Martins

Características das madeiras para envelhecimento de cachaça

Mas, então, qual é a melhor madeira para o envelhecimento da cachaça? Edson Martins é taxativo na resposta que, segundo o tanoeiro, é a pergunta que mais recebe na Dornas Havana. “Eu sempre respondo que é muito complexo porque depende de predisposições culturais e gostos pessoais”, reitera o especialista que desenvolveu em seu negócio uma espécie de quadro sensorial para que produtores possam escolher a melhor madeira para propósitos distintos. 

Com sua experiência, Edson explica que o sucesso com madeiras famosas como a amburana e o bálsamo, conhecidas pelo dulçor elevado, dependem sobretudo de um bem sucedido processo de tosta nas dornas já que às espécies também proporcionam altos índices de taninos e resinosos. Já o jequitibá, por exemplo, fornece melhores resultados como uma madeira utilizada como segundo descanso, neutralizando a acidez e proporcionando um melhor equilíbrio à cachaça. 

O Ipê propicia elevadas notas de especiarias e bebidas com aromas  fortes e amadeirados, destaca. Já a castanheira é uma madeira nobre que somente pode ser comercializada de forma legal pelas Dornas Havana. Sua característica é o refinado dulçor, as notas frutadas e a forte cor amarela escura que proporciona a cachaça.

Edson afirma que o uso de madeiras pouco convencionais podem surpreender até os mais descrentes cachaceiros. “Nossa experiência com o eucalipto tem mostrado que a árvore proporciona um excelente dulçor a partir da tosta média. Já a castanheira remete a notas frutadas, além de proporcionar um característico visual amarelo dourado que é o mais bonito que já vi.”

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