Caipirinha: 5 maneiras de defender o coquetel mais brasileiro do mundo

  • Publicado 4 anos atrás

A caipirinha, único coquetel brasileiro chancelado internacionalmente, foi reconhecida como patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro – mas por que ainda precisamos defendê-la?

No 24 de outubro de 2019, a caipirinha foi reconhecida como o mais novo patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro pela Lei 8576, publicada no Diário Oficial e sancionada pelo governador Wilson Witzel.

Apesar do reconhecimento fluminense e da caipirinha figurar na lista do IBA (International Bartenders Association), um levantamento feito pela marca de cachaças Leblon atestou que a cada 10 ‘caipirinhas’ vendidas, 7 são feitas com outro destilado que não é cachaça. 

Para ajudar, na mesma semana em que o coquetel brasileiro ganhou este importante reconhecimento nacional, a marca de vodca Smirnoff  lançou uma campanha promovendo a caipiroska – coquetel que substitui a cachaça pelo destilado de origem russa. Na divulgação publicitária, a empresa diz que ‘subverteu o drink mais famoso do país’ e que também deu ‘um verdadeiro pé na porta da mesmice’. 

Apesar de ser uma ação de marketing poderosa e ter um tom de desserviço, a campanha da Smirnoff revela muito sobre a nossa a cultura e a falta de informação que ainda permeia o mercado de cachaças e coquetéis nacionais. 

A ‘síndrome de vira-lata’ unida a uma cultura amplamente intrínseca na nossa sociedade de que cachaça ‘é ruim’, bebida barata e sem qualidade, ou coisa de pessoas com problemas com álcool, surtiu uma cortina de fumaça sobre o destilado, que precisa ainda de muito trabalho para desmistificá-lo. 

De acordo com Thiago Terra, responsável pelo marketing da Cachaça Leblon, a melhor forma de lidar com a situação atual do mercado não é bater de frente com a caipiroska, mas sim promover uma união da categoria cachaceira e trabalhar melhor a educação e cultura da cachaça, exaltando para o público o quanto o destilado nacional tem de mais diverso. 

“Temos mais história, cultura, diversidades de sabores com cachaça. Se exaltarmos isso, acredito que colocaremos mais a cachaça no repertório dos consumidores”.

Thiago Terra, Leblon

Inclusive, há dois anos a Cachaça Leblon promove a campanha #SalveaCaipirinha, em que no ‘Dia Nacional da Cachaça’, 13 de setembro, são lançadas campanhas de incentivo à caipirinha, com ações nas redes sociais e também com a promoção no meio dos profissionais de bares. 

“Esse ano, levamos cerca de 70 bartenders/profissionais para visitar nossa destilaria como uma campanha de incentivo do Salve a Caipirinha…todo ‘Dia da Cachaça’ lançamos um vídeo protesto e tivemos muitos compartilhamentos orgânicos de bartenders e consumidores, nossa hashtag em dois anos já tem mais de 1100 menções”

Thiago Terra, Leblon

A Caipirinha é brasileira… mas isso você já sabe.

Como foi inventada a caipirinha é tema para algumas horas de debate, porém a versão mais disseminada e, inclusive comemorativa, é por volta de 1918 na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo e grande produtora de cana-de-açúcar. Dizem que ela foi inventada como alternativa para tratar um surto de gripe espanhola que assolava a região na época. 

O que contam é que originalmente ela era feita com limão, alho e mel e um pouquinho de cachaça para acelerar o efeito terapêutico. Porém como já foi colocado pelo cachacier Maurício Maia, a versão da caipirinha que conhecemos já era conhecida desde o início da colonização com a cultura das garrafadas. Também existem documentos de algo muito semelhante já em 1856 na cidade de Paraty, no litoral fluminense, para combater uma crise de malária. 

A cultura de tomar caipirinha ganhou força entre as festas dos grandes fazendeiros latifundiários de cana-de-açúcar, que serviam o coquetel nas festas como uma alternativa local à bebidas importadas e de acesso mais difícil, como whisky e vinhos.

A caipirinha também ganhou notoriedade na semana de Arte Moderna de 1922, em que Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral promoveram o coquetel que era servido durante o evento, como forma de protesto contra a ‘europeização’. 

A popularidade do nosso coquetel é tão importante, que no ano de 2009 a receita original se tornou patrimônio cultural do Brasil, regida pela lei no decreto nº 6.871, capítulo VII, seção VI, artigo 68, § 5º  que determina que caipirinha é a bebida elaborada com cachaça, limão e açúcar, com graduação alcoólica de 15% a 36% em volume, a 20ºC, “facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica e de aditivos”.

Mudando o “zeitgeist” da cachaça:

A defesa da caipirinha não deveria se limitar a discutir se o coquetel é com vodca ou cachaça. Para uma mudança de mentalidade no setor é preciso avançar nessa discussão.

De nada adianta se agarrar às leis ou ao ufanismo verde e amarelo só pelo fato da caipirinha/cachaça ser brasileira. Afinal o povo não quer imposição, mas sim experiências prazerosas. E o lado bom da história é que o momento não poderia ser mais oportuno para novas experiências com cachaça.

A evolução do mercado de cachaça

Nos últimos anos, o mercado de cachaças ganhou bebidas de qualidade e com os mais variados estilos de sabores, envelhecimento em madeira e blends especiais. Sem dúvida, vivemos um período especial na produção de cachaças com uma melhoria na qualidade técnica e sensorial.

Acompanhando o desenvolvimento do mercado produtor percebemos também o crescimento da alta coquetelaria, que tem se desenvolvido com mais intensidade nos últimos 6 anos no Brasil. Cada vez mais profissionais de bares têm estudado e defendido com propriedade o uso de ingredientes, destilados e sabores brasileiros.

Bartender Jean Ponce, coquetelaria valorizando a cachaça
Bartender Jean Ponce, coquetelaria valorizando a cachaça

Para mudar a imagem negativa da cachaça e da caipirinha na cabeça do brasileiro precisamos de unidade na comunicação e pensar em estratégias de como responder às campanhas como essa da Smirnoff. Aqui mapeamos 5 alternativas que podemos fazer para colocar a caipirinha no seu devido lugar de destaque.

1. Já sabemos “o que”, precisamos avançar no “como” ou “por quê”

Se está claro que caipirinha é com cachaça então devemos levar a discussão não para o “o que”, mas para o “como” e o “por quê”.

James Bond
Vai querer sua caipirinha batida ou mexida, sr. Bond?

Ao invés do bartender ou garçom perguntar se caipirinha deveria ser com cachaça, saque ou vodca, ele deveria perguntar: Você quer sua Caipirinha batida ou mexida? Com açúcar ou xarope? Com cachaça pura ou amadeirada? Ao fazer essas perguntas forçaria respostas que revelam a complexidade e a diversidade de possibilidades com a bebida. As perguntas certas poderiam resultar em respostas como:

“Para a versão clássica da caipirinha faça mexida com limão-taiti, e use cachaças puras, sem madeira, com aroma de cana, levemente ácidas, e com teor alcoólico mediano (entre 42-45%)”.

“Para caipifrutas, versão da caipirinha com frutas diferentes do limão, você pode inovar na técnica e no tipo de cachaça. Caipirinhas de morango combinam com cachaça envelhecida em amburana. Caipirinhas de três limões podem levar rapadura para adoçar e cachaça envelhecida em bálsamo. Caipirinhas de maracujá podem ser batidas na coqueteleira para justamente ajudar na extração do suco presentes nos gomos da fruta”.

2. Se a vodca quer a caipirinha, vamos atrás dos clássicos da coquetelaria!

A Natique, empresa responsável pela cachaça Santo Grau, lançou uma proposta no mercado que tem a cachaça como base para substituir destilados em coquetéis clássicos, como o Negroni, ou o Manhattan – já que a variedade de estilos da cachaça possibilita essa pluralidade. A Santo Grau inclusive conta com uma linha de cachaças envelhecidas em dornas de carvalho usadas para envelhecer Jerez, que traz uma rica experiência de sabores e pode funcionar como bom substituto para coquetéis preparados com destilados que também foram envelhecidos em carvalho, como rum e whisky. 

“Acreditamos que a valorização do nosso destilado vai muito além da dose, a diversidade de aromas e sabores da cachaça traz tanta complexidade aos coquetéis que pode até ser usada para substituir os destilados mais tradicionais, como gim e whisky por exemplo. Quando criamos os drinks clássicos com a Cachaça Santo Grau, junto com o bar Original e o bartender Frajola, o desafio era exatamente esse: explorar a diversidade entre as cachaças da marca recriando drinks clássicos da coquetelaria mundial”

Lívia Teixeira, gerente de marketing da Natique

3. Coquetéis autorais com cachaça e sofisticação

“Nós pesquisamos o mercado e chegamos ao trabalho do Rafael Welbert, que tem um canal de comunicação com outros bartenders, é um apaixonado por cachaça, entende profundamente de coquetelaria e quer fazer os melhores drinks usando a cachaça…Juntos criamos um site específico chamado Gouveia Brasil Coquetelaria, que tem todas as informações do coquetel, desde o copo, o tipo de ingrediente e com um canal aberto para conversar com o Rafael”

Celso Lemos, diretor de marketing do Grupo Gouveia Brasil.

Foi um trabalho desenvolvido, porque a nossa aposta é que o consumo da cachaça vai aumentar através da coquetelaria e do uso dela nos coquetéis…o consumidor quer beber e sentir sabor gostoso, pois nós não estamos em um mercado de bebidas alcoólicas, nós estamos em um mercado de entretenimento

Celso Lemos, diretor de marketing do Grupo Gouveia Brasil

4. Muito além da caipirinha… viva o Rabo de Galo

A inclusão do Rabo de Galo na lista de coquetéis da International Bartender Association em 2013 foi um passo importante na valorização da cultura e tradição brasileira. A cachaça é uma bebida emblemática do país e o Rabo de Galo representa a sofisticação e versatilidade dessa destilada. Agora, com seu reconhecimento internacional, a cachaça ganhará ainda mais destaque, possibilitando que pessoas de diferentes nacionalidades possam desfrutar dos sabores e aromas únicos dessa combinação de cachaça, vermute e bitter.

Essa conquista reforça a importância da cachaça como uma bebida de qualidade e abre portas para novas oportunidades no mercado global de coquetéis, espaço antes representado apenas pela caipirinha.

Rabo de Galo

Rabo de Galo

Popular nos botecos brasileiros, o Rabo de Galo vem ganhando destaque em bares da alta coquetelaria e se consolidando com um dos principais coquetéis para a divulgação da cachaça ao lado da Caipirinha.
5 de 5 votos
Prep Time 5 minutes
Course Drinks
Cuisine Brasileira
Servings 1 porção

Equipment

  • 1 Mixing Glass
  • 1 Bailarina

Ingredients
  

Instructions
 

  • Coloque a cachaça, o vermute e o Cynar em um mixing glass com gelo.
  • Mexa até resfriar.
  • Coe em um copo baixo.
  • Guarneça com um twist de limão-taiti.
Keyword Drinque mexido
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5. Novas experiências além dos coquetéis

A tradição de consumo de tequila com limão e sal é uma prática muito popular no México e em várias partes do mundo. Essa combinação de sabores e rituais tem suas raízes na cultura mexicana e é considerada uma experiência autêntica de apreciar a tequila.

A tradição consiste em colocar sal na mão, lamber o sal, beber um shot de tequila e, em seguida, chupar ou morder uma fatia de limão. O sal ajuda a amenizar o sabor forte do tequila, aguçando os paladares e preparando o corpo para a bebida. A acidez do limão proporciona um contraste refrescante e equilibra o sabor da bebida.

Além disso, a tradição de consumir tequila com limão e sal também é considerada uma forma social de beber. É comum fazer isso em grupo, onde as pessoas se reúnem, brindam e compartilham essa experiência. Essa prática é valorizada pela conexão cultural que ela representa, fortalecendo os laços entre as pessoas e celebrando a tradição mexicana.

A cachaça poderia inovar trazendo novas maneiras de se apreciar a bebida além do consumo puro ou na forma de coquetéis. A harmonização com pratos, frutas e em rituais sociais, como faz o tequila, é a maneira como algumas marcas de cachaça estão trazendo inovação para o mercado.

A cachaça Wiba trouxe um conceito de experiência semelhante que chamam de “caipirinha na boca”, que consistem no seguinte a passo a passo:

  1. selecione suas frutas e temperos preferidos;
  2. molhe a fruta no açúcar, chocolate, pimenta, ou no que preferir;
  3. mastigue sem engolir e junto dê um golinho de cachaça.

Esse conceito abriu o mercado para gente e nos permitiu que chegássemos a grandes empórios e restaurantes, além do mais isso nos abriu a porta para poder divulgar e falar mais sobre cachaça, em que atualmente eu dou degustação em workshops que faço e também em restaurantes pós-venda, além de releituras de clássicos da coquetelaria

Wilson Barros, produtor cachaça Wiba

E existe já uma tradição sensorialmente imbatível e já tradicional em algumas regiões do Brasil que é o consumo de cachaça com caju e sal grosso.

Essa combinação de sabores é uma forma única e saborosa de apreciar a cachaça, acrescentando um toque regional e tropical à bebida.

caju com cachaça

O ritual geralmente envolve cortar um caju em fatias e mergulhar uma parte da poupa no sal grosso. Em seguida, é servido um shot de cachaça, que é bebido imediatamente após morder o caju com sal. O sabor doce e suculento do caju contrasta com a intensidade da cachaça, enquanto o sal grosso adiciona uma pitada de salinidade que realça os sabores.

Essa prática é apreciada especialmente durante festas e celebrações, onde amigos e familiares se reúnem para brindar e desfrutar desse ritual popular no nordeste. Além disso, o caju é uma fruta abundante na região e seu uso na combinação ressalta a riqueza gastronômica local.

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