Santidade de Belém

  • Publicado 13 anos atrás

Foto de barco no Rio em Belém PA

Belém tem jeito de mulher recatada. Usa perfume discreto de manga, fala devagar, cadenciado, tem a maior festa do círio do Brasil e ainda carrega nome de terra sagrada. Belém, contudo, está longe de ser santa. É voraz em perder a gente em abundâncias, seja na diversidade de frutas que da à luz, das águas doces que a inundam pelo meio ou da quentura com a qual nos envolve quando chegamos perto do seu corpo. É encostar em Belém que a gente vai logo suando gostoso, derretendo sem ver, escorrendo uma água que amorna a pele pra esfriá-la em seguida à custa do hálito soprado de leve no nosso pescoço, o hálito de Belém que traz a brisa da baía de Guajará.

Foto de Janela para o Rio. Belem PA

Fosse só isso era fácil deixar Belém. Mas não. Lá pelo meio-dia, quando a gente está assim, meio mole, com as pernas querendo desmontar sob o sol e o corpo se estirar numa rede, ela vem e se insinua mais ferozmente. Belém nos agarra pela mão e leva ao miolo do Ver-o-Peso, o mercado dos peixes, das ervas e raízes, das mandingas e histórias centenárias, o mercado do mundo, do mundo da suculência e da fartura. Lá no meio, entre os balcões de cimento e bancos de madeira, Belém pede, em nosso nome, uma boa pratada de peixe fresco frito, açaí grosso e farinha e bota na nossa frente como se não houvesse solução melhor para a vida a não ser comer tudo sem deixar nada no prato. E não tem essa de polvilhar açúcar na tigela pra fazer o açaí cru mais palatável. Quando muito um cubo de gelo pra ajudar a pasta roxa a nos refrescar o quanto possa, enquanto passa espessa na garganta. No mais, é isso: fartura, suor, e Belém nos perdendo sem levantar suspeitas, amparada por seu nome santo e suas feições de senhora respeitável.

Foto do mercado Ver-o-Peso em Belém Pará

O escritor Mário de Andrade, quando conheceu Belém, escreveu isso dela ao seu amigo Manuel Bandeira: “Belém eu desejo com dor, desejo como se deseja sexualmente, palavra. Não tenho medo de parecer anormal pra você, por isso que conto esta confissão esquisita, mas verdadeira, que faço de vida sexual e vida em Belém. Quero Belém como se quer um amor”. Seguro que esse amor não acomete só aos escritores com sua sensibilidade exacerbada. Belém é de ir fundo na gente, de revolver lá no subsolo os desejos secretos que sempre tivemos e nunca soubemos; ou que jamais provamos e que, subitamente, nasceram em nós, pra nossa alegria e espanto.

Foto de Barraca de cheiros no Mercado Ver-o-Peso em Belém do Pará

Às seis da tarde, quando o sino toca nas igrejas, é hora da Ave Maria nos templos e nas rádios. Belém não vai à igreja porque não tem tempo – os afazeres da casa ainda lhe sugam –, mas sintoniza o dial na reza e bota ao lado do rádio um copo d’água vulgar que logo logo estará benta e a qual beberá para ser mais…. santa? A quem Belém pensa que engana? É sabido que tão logo termina o “…agora e na hora de nossa morte…”, ela desliga o rádio antes do “amém”, corre pro banho de cheiro, se apronta, se paramenta – sua arma é seu corpo virtuoso e um vestido quase sem peso – e sai pra festa na periferia. Numa casa antiga e simples, palafita sobre o Guajará, Belém continua a nos perder, homens e mulheres, arrastando-nos sem nos tocar para as abas do seu vestido, dançando carimbó arroxada ao nosso corpo, à nossa vida toda.

 

 

Fotos: Gabriela Barreto

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