Pai do Mangue

  • Publicado 13 anos atrás

 Pai do Mangue em Galinhos RN

Seu Silas é quem pergunta, e com a oferta de água ele também convida pra entrar em sua casa feita de tudo o que é retalho de madeira, compensado, papelão e plástico que foi juntando pra construir sua morada. Silas é nome de registro, mas Pai do Mangue é nome de vivência. Lá em Galinhos (RN) o batizaram assim desde que há três anos ele foi viver completamente sozinho numa ilha minúscula cercada por manguezais e distante uns 6km em barco da cidade. O Pai do Mangue foi se isolar ali fugindo da balbúrdia galinhense, ou aquilo que ele entende como balbúrdia e que seja possível num lugar como Galinhos, onde não circulam carros e onde só há pescadores lançando suas redes ao mar ou consertando-as, sentados à porta de casa.

Pai do Mangue vive da mandioca e feijão que planta, do que pesca e das galinhas que cria na sua ilha particular. Toma banho com água salobra todo dia. Tem 45 anos, mas parece adiantado em uma década, muito por conta do sol nordestino combinado com o sal na pele.

Na casa que ele construiu, 4×5 metros, há uma cama, uma rede, dois bancos feitos de tábua e o chão é de areia. Na parede, há a foto antiga de um amigo tocando guitarra. E num dos cantos da casa, do lado de fora, há um galão onde ele guarda a água da chuva que escorre do telhado e que, mais tarde, ele coa pra beber. Não há energia elétrica ali, e a luz, à noite, é o fogo.

Quando Dário, o barqueiro, me perguntou se queria conhecer o Pai do Mangue durante o passeio, aceitei na hora e já comecei a construir mentalmente o meu próprio Pai do Mangue – um senhor muito velho, barba comprida, passos lentos, ânimo recluso e boca de poucas palavras. Dário estacionou o barco na margem da ilha, desligou o motor, prendeu a corda numa estaca e seguimos “jardim” adentro. Ninguém apareceu. “Acho que ele não está. Deve ter ido à cidade resolver alguma coisa”. Começava a se desconstruir ali meu Pai do Mangue. Como um homem recluso vai à cidade resolver coisas?, pensei. E desse estereótipo aos outros que imaginei, foram caindo todos, um por um. O Pai do Mangue apareceu caminhando entre a vegetação da ilha acompanhado por um cachorro. Pisava firme, sorria e acenava para o barqueiro Dário. Moreno, pequeno, vestia bermuda, camiseta e chinelo; tinha cabelos muito negros e barba bem feita. “Pai do Mangue, trouxe uma visita. Essa moça veio lááááá da cidade, bem longe, e queria conhecer o senhor”, disse Dário. E a recepção de Silas não poderia ser menos lacônica ou reclusa. “Ahhh, gósto di cunhecê rênti da cidadi. Tu qué cunhecê a ilha, qué?”. E fomos.

Depois de nos mostrar suas hortas, as galinhas, os bichos, depois de falar do pai, dos amigos e de se maravilhar com os três anos que já havia passado vivendo naquela ilha cercada por manguezais e silêncio, o Pai do Mangue deitou na rede dentro de casa, cruzou os braços atrás da cabeça, se balançou, olhou para o teto e disse a Dário e a mim, que o observávamos sentados em um canto da casa: “issu é quié vida bôa, né não? Num tem barracu maish goshtosu di qui’u meu”. Pai do Mangue levantou-se da rede e disse que iria passar um café. Saiu em seguida para pegar o galão com água da chuva que tinha armazenado. Quando voltei a São Paulo, a maior e mais rica cidade da América Latina parecia minúscula comparada àquela ilha.

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