Whisky e cachaça: entenda as 5 principais diferenças

  • Publicado 4 anos atrás

Entenda as principais diferenças entre whisky e cachaça e quebre alguns preconceitos sobre bebidas feitas a partir da cana-de-açúcar.

Artigo criado com a colaboração de Natanael Bonicontro, engenheiro químico e produtor da cachaça Companheira.

Whisky e cachaça são bebidas com diferentes histórias, processos de produção e sabores. Vamos abordar mais sobre o universo desses dois destilados de muita qualidade e entre os melhores do mundo.

1. Cachaça é Brasil. Whisky é produzido em qualquer lugar do mundo:

A história da cachaça é parte importante da história do Brasil. Os destilados de cana-de-açúcar são produzidos no país desde os primórdios do Brasil colonial, quando os portugueses trouxeram para cá a cana-de-açúcar, os alambiques e as técnicas de destilação que já praticavam em outras colônias.

Apesar da origem da cachaça ser no litoral brasileiro no século XVI, a primeira prova documentada de produção em terras brasileiras é de 1622 no livro de contas do “Engenho de Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde”.

Já o berço do whisky foi provavelmente em mosteiros na costa setentrional da Irlanda por volta do século XII, quando os celtas aprenderam as técnicas de destilação com os árabes.

Mas o primeiro documento oficial que registra a produção de whisky é de 1494 na Escócia, nos Pergaminhos do Tesouro Público (Rolls of the Exchequer), em que consta um pedido de malte para a produção da aquavitae, a água da vida.

Apesar de existir uma identificação muito grande do whisky com Escócia, Irlanda e Estados Unidos, o destilado de grãos pode ser produzido em qualquer lugar do mundo. Inclusive, os japoneses são considerados já exímios produtores.

2. Whisky é feito de grãos. Cachaça é feita da cana-de-açúcar:

A primeira diferença fundamental entre as duas bebidas está na matéria-prima.

Cachaça só pode ser feita de cana-de-açúcar. E para ser mais preciso, do caldo fresco recém moído da cana. O rum, outra bebida também feita da cana, tem como fonte o melaço, um sub-produto da indústria de açúcar.

cana de acucar companheira

Já whisky pode ser feito de diversas fontes agrícolas. Dependendo da legislação local e da matéria-prima mais abundante, a bebida pode ser feita de milho, cevada, centeio, trigo. Veja algumas diferenças:

WhiskiesDescrição
whiskey irlandêsFeito de cevada maltada e blends. Envelhecido por pelo menos 3 anos em barris de carvalho europeu e americano.
whisky escocêsFeito de cevada maltada e outros grãos como milho. Os single malts são feito com 100% de cevada maltada. Envelhecido por pelo menos 3 anos em barris de carvalho europeu e americano
whisky americanoBourbon: 51% feito de milho. Envelhecido em barris novos de carvalho por pelo menos 2 anos. Rye: 51% feito de centeio. Envelhecido em barris novos de carvalho por pelo menos 2 anos.
whisky japonêsFeito de cevada maltada ou blends. Envelhecido em carvalho americano ou europeu por pelo menos 3 anos.

3. A diferença na fermentação

A fermentação da cachaça

O processo de fermentação da cachaça é muito simples, apenas dois ingredientes são necessários: cana-de-açúcar e água, uma mistura chamada de mosto. O caldo de cana já contém o açúcar que será fermentado.

Após a mistura de água com o caldo fresco da cana, leveduras selvagens ou selecionadas fermentam o mosto produzindo o vinho de cana.

CACHACA-ANTONIETA-JEQUITIBA

A fermentação do whisky

Os grãos passam por um processo de maltagem para ativar as enzimas e maximizar seu conteúdo de amido, que é posteriormente convertido em açúcar e depois em álcool. Algumas destilarias têm sua própria estrutura de malteamento, mas a maioria usa a estrutura de terceiros.

Na destilaria, o malte é moído para produzir uma farinha grossa. A farinha de grãos maltados é então misturada com água quente para extrair o açúcar solúvel. Essa água rica em açúcar, conhecida como mosto, será a base a ser fermentada por leveduras em um recipiente com temperatura controlada.

Compostos indesejáveis na fermentação da cachaça e do whisky

Um exemplo de elemento indesejável formado no processo de fermentação é o aldeído furfural, responsável pelo sabor de amêndoa amarga e pelo hálito indesejado após a ingestão da bebida.

O processo de fermentação de whisky é bem mais complexo do que o da cachaça pois os ingredientes que são utilizados para a preparação do mosto necessitam ser tratados para produzir o açúcar a ser fermentado.

Em condições adequadas, o mosto a ser fermentado feito com caldo de cana tem menor chance de produzir os componentes indesejados durante a fermentação ao passo que o mosto feito com os cereais maltados tem mais substâncias que são transformadas em elementos indesejáveis como o metanol, aldeídos, acetona e óleo fusel.

Uma pesquisa realizada por Nykanen e Suomalainen apontou que a quantidade de óleo fúsel, em média, é maior no uísque escocês (1g/L) e no conhaque (1,5g/L), do que no rum (0,6 g/L). O primeiro feito de grãos, o segundo de uvas e o terceiro, destilado feito da cana-de-açúcar, assim como a cachaça.

4. A destilação

É na destilação que as substâncias desejadas e indesejadas formadas nos processos anteriores de produção são selecionadas. Quanto maior for o teor do componente indesejado da base a ser destilada mais difícil de ser separado.

A destilação de um mosto fermentado com baixo teor de aldeídos irá produzir um destilado com menor teor de aldeídos do que a destilação de outro mosto fermentado com maior teor de aldeídos.

A destilação do whisky

O whisky, assim como são os outros destilados de grãos, é bidestilado, com o propósito justamente de remover o excesso de elementos indesejáveis formados durante o processo de fermentação da bebida. Outras bebidas como o conhaque, destilado feito de uvas, por definição em lei, também deve passar por um processo duplo de destilação. O whisky irlandês é tradicionalmente tridestilado para criar uma bebida ainda mais pura.

destilação de whisky

Como apontou Erwin Weimann no seu livro “Cachaça, a bebida brasileira”, as aguardentes produzidas de grãos, geram mais subprodutos indesejáveis que exigem a bidestilação e posterior processo de envelhecimento.

Cachaça é monodestilada

A cachaça é uma bebida geralmente monodestilada, ou seja, ela passa por somente um processo de destilação. Assim como rum, mezcal, tequila, pisco, ela é uma bebida de muito sabor na sua versão purinha, sem passar por madeira.

Quanto mais vezes a bebida é destilada, mais neutra ela se torna, ou seja, ficam menos perceptíveis os aromas oriundos da matéria-prima (aromas primários) e do processo de fermentação (aromas secundários).

alambique de cobre WH

As técnicas de múltiplas destilações são muito usada para a produção de whiskies, conhaque e brandies, bebidas tradicionalmente envelhecidas em barris de carvalho, com destaque para as madeiras usadas durante o envelhecimento da bebida (aromas terciários).

Já a vodca, destilado de caráter mais ligeiro e neutro, chega a ser destilada até quatro vezes ou mais.

Nos últimos anos, o mercado europeu e o americano estão aprendendo a apreciar bebidas monodestiladas que não passam por madeira, o que torna a cachaça pura um universo singular de aromas e sabores para esses consumidores.

5. Whisky envelhece em carvalho. Cachaça envelhece também em madeiras brasileiras:

“A madeira faz o whisky” é um antigo ditado escocês. O envelhecimento em carvalho e as misturas de whiskies de diferentes barris e anos para compor um blend é o que faz a assinatura de uma marca de whisky.

O carvalho americano ou europeu assume a principal identidade sensorial da bebida, destacando as características dos barris.

whisky

Já a cachaça pode ser consumida pura ou na sua versão envelhecida.

As cachaças envelhecidas em barris de carvalho, principalmente aquelas que passaram mais de 1 ano em barris com menos de 700 litros (conhecidas como premium), trazem ao destilado brasileiro aromas e sabores familiares aos apreciadores de whisky, rum e conhaque (uma sugestão para bebedores de uísque que querem entrar no mundo da cachaça é buscar por essas marcas). Os produtores dessas cachaças seguem uma filosofia de produção que chamamos de Escola Crossing.

No entanto, a cachaça pode ser também envelhecida em madeiras brasileiras como amburana, bálsamo, ipê, cabreúva, jequitibá, ariribá e muitas outras. Um blend de cachaça pode ser composto por diversas madeiras, cada uma contribuindo com uma cor, aroma e sabor, algo único no mercado mundial de destilado e um dos grandes diferenciais da cachaça.

Resumo: Qual é melhor bebida: whisky ou cachaça?

Definitivamente whisky não é melhor que cachaça! Nem cachaça é melhor que whisky. Gosto é algo pessoal, como já diz o velho ditado: “gosto não se discute, quando muito se educa”.

Cachaça e whisky são destilados com histórias, processos de produção e sabores distintos. E existe beleza nessa diferença, fazendo com que as duas bebidas possam dividir prateleiras de destaque e agradar paladares de quem aprecia uma boa bebida.

Se a cachaça fosse ruim não estaria presente há tantos anos na vida dos brasileiros! São mais de 450 anos de uma bebida nacional, diversa, produzida em todos os cantos do Brasil e de muita qualidade sensorial.

O cão engarrafado x síndrome do vira-latas

Vinícius de Morais era um apreciador de whisky e dizia que a bebida era o melhor amigo do homem, como brincava: whisky é o cão engarrafado. A cachaça, por fatores históricos e culturais, vive um estigma que a coloca numa outra relação com o canino: a da síndrome do vira-lata, aquele cacoete inato ao brasileiro que considera superior tudo que vem de fora.

Como mostramos até agora, não há porque considerar o whisky superior à cachaça. Da importância histórica a qualidade sensorial existem muitas razões para o brasileiro tirar a cachaça debaixo do balção e coloca-la ao lado de outros destilados de prestígio.

Seria um desejo dos editores desse site, que todo brasileiro pudesse ver um dia uma produção de cachaça, seria uma verdadeira aula sobre uma arte antiga de produção, hoje fundamentada em muita técnica e produzindo um dos melhores destilados do mundo.

Para finalizar, para você que ainda não teve oportunidade de conhecer um alambique, deixamos uma descrição do processo de produção escrita pelo nosso mestre Erwin Weimann:

“(o brasileiro) pode estar certo de que a cachaça e a única bebida entre os destilados que é feita artesanalmente, com a cana colhida manualmente pelo alambiqueiro, sem queimas, com a garapa fresca extraída e fermentada em um período de 24 a 30 horas, destilada em alambique de cobre, utilizando o bagaço, ainda perfumado de cana, como fonte de calor para obter o “coração”da bebida que, sem diluição, descansou em tonéis de madeira.”

Erwin Weimann, Cachaça, a bebida brasileira

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