Uma Antropóloga nos alambiques de Paraty

  • Publicado 9 anos atrás

A cachaça é considerada um dos símbolos mais representativos da cultura brasileira, sendo parte do cotidiano de diversos grupos sociais. Na cidade e nos alambiques Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, não é diferente. A cachaça produzida por lá se destaca pelos valores e significados histórico-culturais que são transmitidos aos consumidores ou apreciadores que conhecem os alambiques da cidade.

A história e a cultura ligadas à produção da cachaça nem sempre se apresentam de forma determinante para o consumo da famosa “branquinha”, já que a diversidade de marcas existentes no país torna a bebida acessível a todas as classes sociais. Nesse sentido, os significados e os valores sociais conferidos ao consumo da cachaça variam de acordo com cada grupo de consumidores.

Como pesquisadora na área de Antropologia, encontro os caminhos possíveis para conhecer esses valores e significados através da abordagem etnográfica. Isso significa que o conhecimento científico sobre um determinado grupo exige que o pesquisador vivencie a cultura do “outro”, buscando a compreensão dos significados que o próprio grupo confere às suas práticas sociais.

Foi a partir dessa perspectiva que me interessei em pesquisar Paraty. Ao visitar a cidade e conhecer seus alambiques em janeiro deste ano, foi inevitável não perceber toda a movimentação de visitantes nesses lugares, todos eles curiosos com as cores, os aromas e, principalmente, os sabores das bebidas ali produzidas e comercializadas. Ali eu vi nascer meu tema para dissertação de Mestrado.

Paraty, região produtora de cachaça

Esse cenário, repleto de turistas empolgados e com pressa para retornar aos seus Jeep tours para logo adiante conhecer outros atrativos turísticos, é, contudo, parte do cotidiano daqueles que ali trabalham. Essa observação me inquietou sobre a visão de mundo dessas pessoas, me levando a pesquisar os significados sociais construídos a partir do consumo das cachaças de Paraty.

Durante os meus primeiros contatos com os informantes da pesquisa, conheci os alambiques das cachaças Paratiana, Pedra Branca e Engenho D’Ouro.

A cidade possui, atualmente, seis alambiques, os quais se encontram reunidos na Associação dos Amigos e Produtores da Cachaça de Paraty (APACAP). No entanto, nesta viagem inicial, conheci os alambiques mais próximos ao Centro da cidade , aqueles que são de fácil acesso para quem está usando o carro como meio de transporte. Embora minha primeira visita tenha sido no período de entressafra (no qual não há produção), a data coincidiu com as férias de verão e, por isso, Paraty e seus alambiques estavam cheios de visitantes.

Os alambiques ficam localizados em sítios amplos, cercados por árvores e algumas cachoeiras, tudo inserido em um contexto de isolamento da vida intensa dos grandes centros urbanos. No interior dos alambiques encontramos estantes de madeira repletas de bebidas, doces e lembranças à venda, além dos barris onde as cachaças ficam armazenadas para envelhecimento. A degustação das diferentes bebidas produzidas ali é parte obrigatória do passeio dos turistas.

Conhecer os alambiques da cidade, ao menos os mais próximos ao Centro, é passeio obrigatório para os turistas e, por isso, os alambiques estão sempre prontos para receber visitantes. O alambique da Paratiana parece ser o mais bem estruturado. Todas as etapas da produção são bem sinalizadas, as visitas são guiadas e os grupos de turistas chegam a todo momento. No alambique, que também é uma das quatro lojas da marca, há uma excelente diversidade de produtos, além do projeto de fazer um museu da cachaça no local.

Casé e Dom João
Casé e Dom João, produtores da cachaça Maré Alta. Atualmente, Casé é produtor da cachaça Paratiana

O alambique Pedra Branca, localizado na mesma estrada que dá acesso ao Paratiana, encontra-se próximo à cachoeira da Pedra Branca, um dos atrativos naturais da cidade, inserindo o alambique também no turismo ambiental.

Lúcio Gama no alambique da cachaça Pedra Branca em Paraty, Rio de Janeiro
Lúcio, produtor da cachaça Pedra Branca e primo do Casé da Paratiana.

No sítio onde a cachaça Engenho D’Ouro é produzida, há restaurante, bar e uma casa de pau a pique para a produção de farinha de mandioca, além de outros elementos que nos fazem voltar no tempo. O sítio está localizado próximo à cachoeira do Tobogã (da Penha) e, também, de um trecho do Caminho Velho da Estrada Real, importante atrativo turístico histórico-cultural nacional.

Nesses poucos dias em Paraty, pude observar a existência de discursos que valorizam a cachaça como um símbolo da cultura e da história da cidade, reforçando a presença da bebida na memória daqueles que visitam esses espaços de produção e consumo. Nos alambiques visitados, a estrutura e recepção fornecem um ambiente acolhedor e interessante que, somados aos elementos que reforçam a história e cultura locais, tornam possível pensar nos diversos significados da cachaça produzida na cidade. Por isso, garanto que conhecer Paraty foi tão incrível como pesquisadora quanto como turista, uma viagem cheia de riquezas para descobrir e, no meu caso, (re) descobrir a cultura da cachaça com novos olhares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio: Zahar, 1978.

ROCHA et al. “Do Ponto de Vista Nativo”: Compreendendo o Consumidor através da Visão
Etnográfica. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 28., Rio de Janeiro: Uerj, 2005. p.1-15.

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