Maurício Ayer

Santa Terezinha, arte cachaceira na serra capixaba   

  • Publicado 4 anos atrás

Maurício Ayer escreve sobre a cachaça Santa Terezinha e seu artesão Adwalter Menegatti, um dos mais inventivos mestre cachaceiros do Brasil

Tem gente que não nasceu para caber nos figurinos que se encontram prontos pela vida. Quer mais é inventar seu próprio jeito para tudo e não mede esforços para criar coisas surpreendentes. Adwalter Menegatti é uma dessas pessoas, e ele fez da cachaça Santa Terezinha o seu território de invenção. Formou-se em economia, mas bem jovem percebeu que cumprir horário e bater cartão não era pra ele, então resolveu levar uma vida de artista: um artista da cachaça.

Ao longo de sua história, a cachaça Santa Terezinha já inovou nos rótulos, nas garrafas e, com especial destaque, na produção. Tudo começou há quase 40 anos, quando Adwalter resolveu trabalhar nas terras do pai, no município de Marechal Floriano, a 800 metros de altitude e a pouco mais de 50 quilômetros de Vila Velha e Vitória, no estado de Espírito Santo. Na propriedade, a família produzia milho, café e também cachaça, entre outros produtos.

“Na hora de preparar o pé-de-cuba [cultura de leveduras usada na fermentação do caldo de cana], meu pai queimava folhas de laranja para purificar o ambiente”, conta Adwalter. “Eram crenças, hoje sabemos que era só um aroma, mas o principal é que ele tinha a preocupação de cuidar de todos os detalhes com muito esmero”.

Santa Terezinha Krafted

A primeira novidade foram as garrafas. Adwalter vendeu um carro comprado num consórcio e investiu o dinheiro nos recipientes importados da Itália. A tradição era engarrafar cachaça em vasilhames de cerveja, mas com essa apresentação ficava difícil entrar em ambientes mais requintados, como os hotéis. Com suas belas garrafas italianas, esse foi o primeiro mercado que a Santa Terezinha conquistou: passou a fornecer para uma rede de hotéis de alto padrão no Rio de Janeiro. Entre muitos outros negócios, a cachaça vendeu durante 12 anos nas lojas Tax Free, do grupo H. Stern. E também lançou séries com rótulos artísticos, em diversas versões, algo que não se fazia algumas décadas atrás. Vale destacar uma série de rótulos com serigrafias de Dionísio Del Santo que estão no acervo do Museu de Arte do Espírito Santo.

Agora, quando o assunto é inovar no processo e no produto da cachaça, a coisa fica um pouco mais complicada. Como em toda arte de qualidade, a invenção surge a partir de um aprofundamento da tradição. Pois, ao contrário do que a fábula nos ensina, normalmente a cigarra trabalha muito mais do que a formiga, já que o ofício criativo depende de um conhecimento denso do estado da arte para poder ultrapassá-lo. Acontece que o Adwalter é um pesquisador-inventor por natureza e passa anos experimentando novos processos até ficar satisfeito com o resultado e, só então, mostrar sua obra ao público cachaceiro.

alambiques da Santa Terezinha

Um exemplo é a Santa Terezinha Gourmet Sassafrás. Essa cachaça foi desenvolvida para ser usada na culinária, como insumo para flambar carnes e outros preparados. Mas é uma bebida tão surpreendente e agradável que muitos bebedores desobedecem o autor da obra e a apreciam pura, como uma cachaça de qualidade que é. Qual é a inovação dessa cachaça? A principal é a apropriação criativa de técnicas usadas no tratamento dos barris de xerez, por exemplo: a parte interna do barril é preparada com um extrato de frutas, depois é feita a tosta, o que leva a madeira a incorporar características sensoriais das frutas, trazidas para a cachaça à medida que ela extrai da madeira sua cor e seus aromas. Foram cinco anos de experimentações até chegar à conclusão de que a canela sassafrás era a madeira que melhor respondia a este processo, além de todo um protocolo de especificações e procedimentos a serem seguidos para alcançar o produto almejado.

Este é um exemplo, mas basta dar uma olhada no site da Santa Terezinha para conhecer a diversidade de invenções da casa. Você vai encontrar desde uma cachaça branquinha tradicional por R$ 25 a garrafa até a Reserva da Família, por R$ 2.500! Entre elas, toda uma gama de possibilidades.

No ateliê-alambique da Santa Terezinha, Adwalter trabalha com dois processos básicos de produção: um alambique de fogo direto (a lenha), onde destila vinho de cana fermentado com leveduras nativas (cultivadas no próprio local); e um alambique aquecido por caldeira (a vapor), onde destila vinho fermentado com leveduras selecionadas (compradas de laboratórios especializados). As cachaças podem ser envelhecidas em diversos barris, em carvalhos de diferentes procedências (francês, americano, italiano etc.) e madeiras nativas brasileiras. A principal variedade de cana utilizada é a chamada mulatinha, bem adaptada à região.

santa terezinha

Santa Terezinha Gourmet Sassafrás

Lote 03/15 safra 2011/12

A cachaça Santa Terezinha Gourmet Sassafrás surpreende em muitos sentidos. Primeiro por sua cor âmbar escura, que lembra o aspecto de uma cerveja bock, só que rigorosamente transparente e brilhante à luz. Depois, pelo aroma intenso de frutas secas – como ameixa preta e uvas passas –, promessa do que o copo entregará ao paladar.

Mas é na boca que as nuanças ganham mais realce e somos levados a lugares inesperados. Lembrei-me de imediato de um daqueles tradicionalíssimos licores de jabuticaba feitos no interior, só que com uma profunda integração de sabores, que dificilmente se poderia obter com uma infusão de frutas. Ao mesmo tempo, embora a canela sassafrás, quando bem utilizada na produção de cachaça, seja uma madeira muito aromática, a doçura das frutas tampouco parece ser proveniente dela.

Essas características são obtidas por um processo especial de tratamento dos barris. Uma tintura alcoólica de frutas, cuja receita é segredo de Estado em Marechal Floriano, é aplicada sobre as paredes internas dos tonéis de canela sassafrás, que só então são submetidos à tosta sob rigoroso controle. Os açúcares e demais compostos das frutas aderem à madeira como se dela fossem parte. Daí a cor da cachaça, daí seus aromas e sabores doces e frutados, com toques de especiarias.

Vale a pena experimentá-la também gelada. Ela fica ainda mais suave e adocicada – porém, com o teor alcoólico de cachaça, 38%, a Santa Terezinha Gourmet Sassafrás é equilibrada, não deixando que o dulçor se imponha sobre o corpo da bebida.

Dito tudo isso, não devemos esquecer que esta bebida foi concebida para ser utilizada na cozinha, é uma cachaça especial para flambar. Mas o artista, depois que cria, deixa de ser dono de sua obra, pelo menos dos caminhos de apreciação que ela vai percorrer. Nós, os bebedores, ficamos muito à vontade para ser inventivos e indisciplinados e desobedecer as intenções do autor, criando nossos próprios jeitos de apreciar.

Por obra de seu criador, a Santa Terezinha Gourmet tem essa flexibilidade de bailarina, adapta-se bem a diversos momentos. E harmoniza bem com frutas, sobremesas, queijos intensos – como um gorgonzola – e tudo o mais que o artista que há em você for capaz de descobrir.

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