Katia Alves Espírito Santo: tradição e excelência em cachaça

  • Publicado 4 anos atrás

Conheça Katia Alves Espírito Santo a fonoaudióloga que ajudou a mudar o mercado da cachaça no Rio de Janeiro

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Estar na Fazenda da Quinta, no Carmo, município da região serrana do estado do Rio de Janeiro é um passeio pela infância de Katia Alves Espírito Santo. Nascida e criada na propriedade, a fonoaudióloga de formação viu a vida mudar radicalmente quando o pai adoeceu.

Produtor de cachaça, José Ramos Alves não queria que a tradição da família acabasse e incentivou a filha a seguir os passos. Quando o avô de Katia, o imigrante português Francisco Alves, comprou as terras em 1923, a Cachaça da Quinta já era fabricada no vale próximo ao Rio Paraíba do Sul. E desde então a técnica original de produção era mantida e aprimorada ao longo das décadas.

Como uma boa filha Katia acatou o desejo do pai e passou a visitar a fazenda com mais frequência. No início, não tinha qualquer intenção de seguir a carreira. Beber da fonte do conhecimento tradicional do pai era uma boa desculpa para passar mais tempo com seu José. Até que Katia tomou gosto pelo ofício, como ele previa.

No início do século, ela largou o consultório e mais de 20 anos de profissão. A profissional que na década de 80 trabalhou como consultora da ONU, desenvolvendo trabalhos de apoio à crianças em situação de guerra em Angola e Moçambique, mergulhou em outra  linguagem: a produção da Cachaça da Quinta.

Tal pai, tal filha

Depois de aprender a arte empírica da família, Katia foi a procura do rigor sistemático da técnica, na busca por qualificação.  Hoje é  produtora, apreciadora e estudiosa da Cachaça, autora do livro Drinks e Coquetéis 2018 e organizadora e coautora do guia Carta de Cachaça do Rio de Janeiro, ambos publicados e distribuídos pela Apacerj.

“Fui criada numa oligarquia rural, mas meu pai sempre foi um homem muito inteligente e minha criação nunca foi de ser um pessoa submissa. Ele era amável, educado, afetuoso, mas exigente. Ou era bem feito ou não era”.

Alambique Cachaça da Quinta

No processo de sucessão, a empresa investiu em tecnologia e inovação. O alambique foi modernizado e alguns processos substituídos, como o uso do fubá. Katia explica que na época do pai, o substrato era necessário pois usavam dornas de madeira na fermentação. Agora, essas dornas são de inox, com fundo cônico, o que facilita a decantação das leveduras.

Em 2007, Katia concretizou sua primeira produção. A estréia no mercado aconteceu dois anos depois e foi bem recebida na capital fluminense e, em seguida, na capital paulista. A segurança adquirida ao longo do trabalho de pesquisa se mostrava nos resultados positivos das análises sensoriais e físico-químicas.

A identidade visual da marca também passou por reformulação com destaque para o engarrafamento em recipientes de 500ml. A Cachaça da Quinta é elaborada em três versões: Branca, Carvalho e Amburana, todas com o Certificado de Produto Orgânico, emitido pelo Instituto Nacional de Tecnologia. A produção anual é de 150 mil litros.

O pai, orgulhoso, viu as negociações para exportação acontecerem, antes de falecer, em 2012. Pouco depois, em 2013, a marca que completava 90 anos foi coroada com o mais prestigiado prêmio internacional. E se tornou o primeiro destilado brasileiro a receber a medalha Grand Gold do Spirits Selection, no Concurso Mundial de Bruxelas. Se mantendo no topo da lista, com a medalha de ouro, no ano seguinte com a versão da cachaça envelhecida em Amburana.

Organização como fator de sucesso

Em 2011, Katia foi eleita presidente da Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça do Estado do Rio de Janeiro (Apacerj) – cargo que ocupou até 2016, atualmente é a vice-presidente. No mesmo ano, foi constituída uma comissão que reestruturou a entidade (criada em 1998) para fortalecer o valor da cachaça como patrimônio gastronômico e cultural do Brasil.

A associação investiu em planejamento estratégico, comunicação e  programas de qualificação dos produtores, com o apoio do Sebrae. Como resultado o estado alcançou indicadores positivos: é o segundo em valores monetários de exportação (mesmo tendo caído este ano para a quarta posição em volume de cachaça exportado), está entre os mais premiados internacionalmente e detém o maior conjunto de marcas de cachaça certificadas com selo do Inmetro no país.

Ainda assim, Katia – que também é diretora do Sindicato da Indústria de Bebidas do Município do Rio de Janeiro (Sindibebi-Firjan) – lembra que o Brasil exporta apenas 1,5% do que produz de cachaça. “Não adianta querer ser rei numa terra de ninguém, você tem que conquistar respeitabilidade. Somos uma terra produtora de cachaça, mas nós temos que mostrar isso de forma organizada e trabalho conjunto”, afirma.

Setor de cachaça: um jovem adolescente

Em âmbito nacional, a produtora  reconhece que a cachaça avançou bastante no país nas últimas duas décadas. Alcançando resultados em estruturação e qualidade, mas considera a ‘massa crítica’ ainda pequena.

Katia acredita que o setor ainda esteja na fase de adolescência, apesar da cachaça ser o destilado mais antigo das Américas.

Entres os motivos, estaria uma baixíssima tradição no trabalho setorial e uma comunicação que define, de forma geral, como bastante confusa em termos de apresentação e linguagem. A produtora defende que termos como “cachaceiro” carregam estigmas seculares e não contribuem para elevar a imagem da categoria entre os destilados, como explica:

“Acho o termo carregado de significados negativo e não me parece que a vontade de um grupo pequeno que atua no sentido de ressignificar seja capaz de imprimir mudanças na sociedade. Esses processos envolvem sentidos culturais que não se mudam por vontade de grupos específicos”.

Ela cita o rum, como exemplo de segmento que soube se fortalecer nos mercados nacional e internacional. E vê como uma das possibilidades para o crescimento do setor de cachaça a distribuição organizada no segmento premium, a começar pelo mercado interno, de projeção ainda muito regionalizada.

Hoje, diz que cada empresa faz o que pode e até consegue determinada posição, mas essa presença ainda é pequena. O caminho tem sido buscado, mas para alcançar maturidade é importante investir em conhecimento, conclui Katia.

Maternidade e sucessão

Essa mulher de pensamento estruturalista – outra herança do pai – admite que as experiências ao longo da vida mudaram a forma dela lidar com os desafios. O período em que foi consultora da ONU agregou uma bagagem social que aplica até hoje no trabalho com a cachaça (pela perspectiva de um bebida alcoólica destinada para adultos).

A maternidade também ampliou esse ‘coro de vozes’ que compõe a empresária. Ver e se reconhecer nos filhos fez com que Katia se sentisse mais capaz, na hora de assumir as responsabilidades. “Ser mãe é uma das tarefas mais complexas, se consegue fazer isso nada mais figura como difícil”, comenta.

Katia Alves Espírito Santo é mãe do acadêmico Gustado (43), do empresário Felipe (38) e da advogada Natália (33). Os três quando podem visitam a fazenda e acompanham a produção da Cachaça da Quinta. Uma alegria para a mãe, que espera conseguir fazer sucessores, assim como o pai e o avô dela fizeram. “Me sinto feliz porque é tradição e enriquece cada vez mais o processo, a vida e a história do produto”.

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