Grupo Natique Osbourne publica manifesto para valorização da cachaça

  • Publicado 4 anos atrás

Apresentando:

Em entrevista ao Mapa da Cachaça, Luis Henrique Munhoz, diretor do grupo Natique Osborne, comenta sobre o mercado e os três grandes pilares expostos na manifestação pública que é assinada por produtores.

Em meio ao processo de mudança na legislação que busca atualização do marco legal dos padrões de identidade e qualidade da cachaça, conhecido como Instrução Normativa 13, o grupo Natique Osbourne, uma das empresas líderes do segmento de mais alto valor, lançou um manifesto defendendo a autorregulamentação do setor.

A carta aberta que recebeu o nome de “glória à cachaça”, em homenagem ao compositor Aldir Blanc, reconhece a necessidade de mudança de muitos pontos da IN13, mas se aprofunda numa reflexão mais ampla. Defende três grandes pilares que reivindicam uma classificação mais efetiva da cachaça, levando em consideração o processo de destilação e o rigor produtivo, além de melhorias na comunicação sobre envelhecimento. 

Uma das propostas é diferenciar o destilado em três ou mais tipos, assim poderíamos ter aguardentes, cachaças e cachaças especiais. Um dos exemplos para essa nova classificação seria a bebida destilada 100% em alambique, com exigências sobre o prazo de colheita e moagem, fermentação sem aditivos químicos, aproveitamento de destilação e graduação alcoólica controlados e proibição de adoçantes e aromatizantes.

O documento assinado pelos produtores das Cachaças Espírito de Minas, Saliníssima, Santo Grau Paraty, Santo Grau Itirapuã e Santo Grau Coronel Xavier Chaves pede ainda criação de um Conselho Regulador destacando, como exemplos de organização de sucesso, categorias mundialmente conhecidas como o Scotch Whisky, o Tequila, o Cognac, o  Brandy de Jerez e o Presunto (“Jamón”) Ibérico.

No documento as famílias produtoras de cachaça, de três estados, se colocam favoráveis a todas as propostas de valorização da cachaça, desde que venham melhorar a comunicação com o mercado, respeitando o consumidor e que possam ser cumpridas trazendo maior confiança, sem promover retrocessos.

Confira a entrevista com Luis Henrique Munhoz, representante do grupo Natique Osbourne.

Como analisa o atual mercado da cachaça?

Temos boas e más notícias. Há mais de uma década, o mercado vem caindo ano a ano, principalmente puxado pelas cachaças de valores mais baixos, o que não é bom para o setor como um todo. Outra má notícia é que ainda não conseguimos fazer com que a cachaça seja uma categoria de bebida valorizada, de verdade, e compreendida internacionalmente. O que existe lá fora, preponderantemente, é a caipirinha. A cachaça é só um ingrediente.

Caipirinhas limão e caju

Inclusive começamos a ver a caipirinha sendo preparada com vodka, como aconteceu e ainda acontece no Brasil. Para se ter uma ideia, o slogan da vodka Smirnoff quando entrou no Brasil, em 1973, era: “mistura bem e não deixa rastros”, combatendo as cachaças de má qualidade. Isso mudou bastante. Desde os anos 90 houve um processo de revalorização da cachaça, porque era um produto que sofria muito preconceito pela baixa qualidade. Então chegou no nível em que virou sinônimo de coisa ruim. Conseguimos mudar isso nos últimos trinta anos. Fizemos renascer a cachaça de qualidade, fazendo presença de novo nos mercados de mais alto valor. Isso foi uma conquista muito grande,  mas ainda está no começo  As pessoas falam em exportação, mas na verdade o caminho maior a percorrer ainda é aqui mesmo, no nosso mercado, onde a cachaça Standard e Premium de mais alto valor, ainda perde para o whisky, a vodka e até, recentemente, para o gin. Enfim nós conseguimos um processo de revalorização grande, mas ainda há muito o que fazer.

Quais são os principais desafios para o crescimento do mercado da cachaça?

Temos uma vantagem competitiva e ao mesmo tempo uma desvantagem que é o fato do mercado da cachaça, principalmente artesanal e de mais alto valor, ser muito fragmentado. Um mercado de pequenas empresas e pequenos produtores. E isso faz com que a atuação seja, digamos assim, pouco profissional. Se vê muita evolução na parte produtiva, mas ainda devagar na parte mercadológica, pois no final, a cachaça está inserida dentro de um mercado de bebidas alcoólicas e destilados. É um mercado muito concentrado em grandes players, com empresas muito fortes, que investem muito e são muito profissionais. Então, o fato da gente ter poucas empresas de cachaça de mais alta qualidade, com poder financeiro e expertise de atuação junto ao mercado é um desafio. Tanto nacionalmente quanto internacionalmente, para você fazer um trabalho bem feito, precisa se comunicar com o consumidor e tudo isso custa dinheiro. Esse é um desafio: conseguir transformar a cachaça numa categoria mais competitiva. Por outro lado, tem a vantagem da cachaça ser um produto de origem, é um produto brasileiro, e a gente não está explorando isso tão bem como os outros produtos de denominação de origem no mundo fazem. É o que a gente chama atenção no manifesto: como comunicar melhor para o mercado e para o consumidor.

Qual a expectativa que vocês têm com abertura da discussão para mudança do marco regulatório. Como isso poderia ajudar a cachaça nesse momento?

Foi o primeiro passo para discussões mais profundas no setor. Acredito que não seja só uma mudança da IN13 onde estão as regras da cachaça. Ela passa por conversas mais profundas. Então vamos ver os próximos passos. Eu vejo com otimismo, porque percebo uma movimentação no setor que há muito tempo não via. E também, o atual Ministério da Agricultura defende muito abertamente a autogestão a autorregulamentação dos setores produtivos. Eu acho que esse é um caminho muito importante para cachaça, assim como os outros produtos de denominação de origem. A autorregulamentação do setor seria muito importante para nós, melhorando as regras, melhorando a fiscalização, fazendo o setor efetivamente crescer de forma qualitativa, de forma melhor regrada. Então, vejo com bons olhos.

O que seria essa autorregulação?

Autorregulação é o próprio setor se fiscalizando, sendo responsável por fazer as suas regras serem cumpridas. Em outros países o Conselho Regulador funciona como um certificador. Para você usar a denominação de origem, o nome cachaça, você teria que ser certificado. Além disso, ele trabalha junto com os governos e com o próprio setor, de forma mais assertiva, para determinar as regras e a regulamentação de seu próprio produto, além de ser o responsável pela fiscalização. Tem fiscais, gente na rua, laboratórios e está em contato permanente com os produtores, para ver se as regras estão sendo cumpridas e para orientar, também, porque existe um papel de orientação que é absolutamente fundamental. O Ministério da Agricultura e os órgãos governamentais têm muito menos capacidade de fazer isso, pois têm que olhar todos os setores. A gente defende a autorregulamentação, porque você pode financiar o próprio setor, fiscalizar com melhores regras, ajudando a comunicar, dando mais segurança ao mercado que sabe que tem gente olhando constantemente e com intenção de valorizar cada vez mais o setor. A regulamentação do setor é boa para todo mundo que está dentro dele.

A criação do Conselho Regulador é um dos pontos que vocês colocam no manifesto. Quem faria parte dele?

Teria que ser uma representação com mandatos e com uma formação que tentasse trazer a representatividade do setor como um todo. Então as principais associações nacionais poderiam fazer indicações, o próprio Governo deveria fazer indicação, o Ministério da Agricultura e o Ministério da Economia, porque o setor é extremamente importante para a economia brasileira, representantes das regiões produtoras mais significativas. A cachaça é produzida no Brasil inteiro, mas existem alguns Estados que concentram quase 90% da quantidade de produtores, e esses Estados mereceriam uma representação diferente. As cinco maiores empresas contribuintes, acho justo que as maiores contribuintes tenham uma posição. Então seria um grupo de pessoas com mandato, indicação com regras permanentes e bem estabelecidas, mas que as pessoas fossem substituídas, como uma gestão normal. Esse é o próximo ponto que a gente, como empresa, vai procurar como funcionam outros exemplos mundiais para refletirmos.

Qual a diferença desse Conselho com outras entidades representativas que hoje já existem no país?

Fundamental essa pergunta. O conselho é diferente porque ele tira do governo determinadas atribuições, que são as atribuições de fiscalização, principalmente fiscalização do setor. Ele tira atribuições do governo em termos de regras, porque ele também pode trabalhar no sentido de melhorar algumas regras. E ele tem ainda o papel normativo de certificar o setor para usar o nome cachaça. Diferentemente das entidades ele teria um orçamento ligado diretamente ao volume vendido, e não de contribuições de empresas interessadas em participar. Na verdade, não é uma opção, para você utilizar o nome cachaça seria obrigado a contribuir para o conselho. Então, ele passa a ter funções bastante diferentes. O que uma entidade faz é tentar representar o setor nas discussões, falar com o governo, falar com os outros produtores, no sentido de buscar melhorias. O conselho teria um papel diferente com funções absolutamente práticas, muito importantes, normativas, fiscalizatórias, arrecadatórias.

No manifesto vocês sugerem uma classificação para a cachaça que considere o rigor nas etapas produtivas. Para você a atual classificação da cachaça causa confusão no consumidor?

Sem dúvida, ela é muito pouco esclarecedora. Ela joga, sob uma mesma denominação, coisas bastante diferentes e nesse sentido é que esses exemplos mundiais, que a gente traz, tentam exatamente mostrar para o consumidor as diferenças do produto. Acho que hoje a gente não comunica, basta você conversar um pouquinho com consumidores que não são especialistas em cachaça. O consumidor tem uma sensação clara de que existem coisas diferentes, ele sabe, mas quando você pergunta o que é melhor ou o que é diferente ele não sabe explicar, porque a gente não ajuda. O mercado de cachaça não ajuda. Precisamos comunicar melhor e, a partir dessa comunicação, deixar mais claros os processos que valorizam a qualidade do produto.

Qual seria o caminho para melhorar essa comunicação e a valorização da cachaça?

Primeiro o setor se organizar, por isso um conselho é importante, porque ele obriga o setor a participar, diferentemente das entidades. Depois, ter muito claro uma normatização que definisse diferenças na cachaça, no processo produtivo, e que isso fosse comunicado de forma clara ao consumidor. O que nós estamos propondo é que existam aguardentes, cachaça e uma cachaça especial. Essas diferenças seriam definidas pelo rigor nos processos, desde o uso da matéria-prima. Na cachaça mais importante, ainda, que a própria matéria-prima é como você utiliza essa matéria-prima. Como você faz a colheita, moagem e depois a fermentação. No segundo processo, a fermentação é uma fermentação acelerada ou é uma fermentação natural? Com aditivos ou sem aditivos? Destila em coluna ou em alambique, 100% ou faz um blend entre eles? Esse também é um fator muito importante. Além disso, qual o aproveitamento que você faz na sua destilação, porque destilar em alambique não significa que a cachaça será de um padrão elevadíssimo. Então, esses processos não são difíceis de estabelecer: quando não há controle, quando há controle e com que rigor eles são feitos. Por isso, a gente acredita que dá para ter uma cachaça genérica, onde não há controle ou onde não há vários desses controles, e uma cachaça especial ou até mais do que uma. Isso a gente precisaria debater um pouco mais. Depois tem ainda o envelhecimento, que é um outro mundo muito rico, e para comunicar isso ao consumidor você, também, tem que adotar alguns critérios e precisa de alguém fiscalizando.

Outro ponto abordado no manifesto é a criação do selo “100% produzido em alambique”. De que forma essa distinção favorece o setor?

A nossa principal proposta é que a gente aprofunde essa conversa, que a distinção não fosse só pela destilação, e sim por todos os processos para que a gente tivesse denominações de cachaças distintas como acontece, por exemplo, com a tequila e a tequila 100% agave que são denominações diferentes do produto. O whisky blended ou single malt são denominações diferentes do produto. Aproveitando que já existe na Instrução Normativa nº 13 a forma de destilação, a gente propõe que isso possa estar no rótulo. Seria a primeira evolução no sentido de se comunicar melhor com o consumidor. A IN13 já permite que você diga que uma cachaça é destilada ou produzida em alambique, mas com a restrição de tamanho, como se fizesse algo que não fosse percebido pelo consumidor. A nossa sugestão é a mudança da regra em dois sentidos: primeiro que ela possa estar no mesmo tamanho da denominação do produto para ter destaque, não como uma denominação de produto diferente, a denominação continuaria sendo cachaça. Daí a nossa segunda recomendação que seja não só “destilada em alambique”, mas “100% destilada em alambique”. Isso pode  facilitar a fiscalização e também evitar confusão entre produtores que misturem a destilação, com processos de coluna e de alambique. Essa, para nós, é uma primeira distinção que pode ser feita, sem mudar a classificação dos produtos. É um processo positivo, como a gente vê recentemente na tequila, porque fica mais claro para o consumidor os diferenciais entre mais ou menos qualidade. Ele começa a entender de forma mais fácil e a dar valor, e isso faz com que os próprios produtores comecem a buscar esses processos.  Então, o próprio mercado cresce no sentido de oferecer um produto com essas qualidades e requisitos.

Na sua opinião, por que definições como Premium e Super Premium, adotadas no mercado internacional não definem as particularidades da cachaça?

Essa é uma boa pergunta. O problema é que as expressões Premium e Super Premium estão definindo, no Brasil, envelhecimento.  Como se uma coisa mais envelhecida fosse mais premium do que uma coisa menos envelhecida, isso não faz sentido.  Primeiro porque não é verdade. Você pode ter uma bebida mais envelhecida que não foi feita de uma forma tão rigorosa e vice-versa, pode ter cachaça branca, por exemplo, com altíssimo rigor no seu processo produtivo. Segundo que, internacionalmente falando, as expressões Premium e Super Premium não são identificadas pelo mercado como expressões de envelhecimento. São expressões que falam sobre qualidade, sobre preço, mas não sobre envelhecimento. As expressões que definem envelhecimento são outras. Então, o que a gente está fazendo, do jeito que está na legislação, é de novo confundir. A gente não esclarece de forma a clara para o consumidor o que são processos de envelhecimento, com expressões que o mercado entenda melhor e ao mesmo tempo a gente coloca Premium e Super Premium. Nossa manifestação é bastante completa nesse sentido, o que eu acho fundamental para aprofundar essas classificações é colocar de pé o Conselho Regulador e a autorregulamentação do setor, porque não adianta a gente querer discutir ou querer implementar coisas de difícil fiscalização, sem ter efetivamente quem fiscaliza.

O Manifesto Gloria à Cachaça

Confira o texto na integra do Manifesto Gloria à Cachaça: download

Coleções

Uma seleção dos melhores artigos do Mapa da Cachaça em diferentes tópicos

Produção de cachaça

30 artigos

Envelhecimento de cachaça

15 artigos

História da cachaça

12 artigos

Como degustar cachaça

18 artigos

Coquetéis clássicos

14 artigos

Cachaça e Saúde

7 artigos

O melhor da cachaça no seu e-mail

Assine o Mapa da Cachaça

loading...