O que é blend de cachaça?

  • Publicado 4 anos atrás

Conheça mais sobre blend de cachaça: a arte sistemática em busca da alquimia de novos sabores para o destilado brasileiro

Blend é um nome importado que se dá ao ato de misturar coisas diferentes em busca de um resultado desejado. Essa arte, da composição está em tudo, até em nós mesmos. Afinal, somos uma mistura dos genes de nossos pais.

No mundo da cachaça a ‘blendagem’ consiste na harmonização de partes proporcionais ou não de duas ou mais bebidas envelhecidas em barris de madeiras diferentes ou com tempos de maturação diferentes, na busca pelo equilíbrio e identidade.

Um blend tem o potencial de elevar as virtudes de uma cachaça, aumentando a complexidade sensorial e tornando uma edição única. Para o autor do livro recém lançado “A arte do Blend na Cachaça”,  Manoel Agostinho Lima Novo, é uma forma de obter uma bebida com a cara, a personalidade e a assinatura de um produtor.

O que é padronizar uma cachaça?

A mistura de cachaças pode ter o objetivo de padronização, ou seja, manter uma característica sensorial constante, em todas as safras e lotes. Dessa forma, independente do ano, a cachaça sempre terá a mesma cor, aroma, sabor e teor alcoólico. É papel do master blender, ou mestre de adega, garantir que a cachaça sempre terá o mesmo padrão.

Caso o produtor compre cachaças a granel de outras indústrias, e então busque fazer sua mistura própria padronizada, pela legislação essa cachaça deve ser identificada como estandartizada.

A arte da ‘blendagem’ – muito além da padronização

Muito do que conhecemos de blends veio de fora. Começou nos vinhos, com a mistura de uvas, o que os enólogos chamam de corte.  E ganhou destaque com os whiskies, sendo legalizado no Império Britânico, pela Rainha Vitória, em 1860. Mas, a ‘blendagem’ de bebidas para fins de padronização de venda é mais antiga. Já era feita com chás.

Conta a história que Johnnie Walker, enquanto proprietário de uma mercearia na Escócia, teria primeiro misturado chás que comprava de diferentes fornecedores, para garantir que tivessem um sabor consistente, sem grandes variações. E só depois replicado a experiência no uísque, garantindo a satisfação dos clientes.

O Master Blender Armando Del Bianco, um dos primeiros a trabalhar com a padronização de cachaças no Brasil, diz que o blend evoluiu bastante no país, mas acredita que ainda não atingiu nem 20% das cachaças. “Nós ainda temos poucos profissionais para atender os produtores”, pondera.

Ele explica que padronizar cor e teor alcóolico não é o mesmo que fazer um blend de cachaça. Considera essa uma arte da sensibilidade e do conhecimento e adverte que nem todo mundo tem habilidade para isso, embora diga ser possível treinar o olfato e o paladar.

Del Bianco é responsável exclusivo pela elaboração dos destilados da marca Gouveia Brasil e ao longo da carreira já produziu blends premiados como a cachaça Gouveia Brasil Extra Premium, que leva cachaças envelhecidas em tonéis de Carvalho, dornas de Jequitibá Rosa e barris de Amburana.

Blend como diferencial para a cachaça

Para o produtor de cachaça e proprietário do engenho Barra Grande, em Itirapuã (SP), Maurilio Figueiredo Cristófani, os blends podem aumentar o portfólio de cachaças oferecidas pelos produtores artesanais. A criação de blends é um diferencial a mais para o produtor se destacar no mercado.

“Quando você cria um blend, cria uma proposta diferente, mistura equilíbrio de sabores. Cada madeira transfere para a bebida peculiaridades diferentes. Quando mescla aromas a pessoa vai ter paladares diferentes”, explica.

Maurilio se especializou para fazer os próprios blends. Ele vê crescimento desse mercado com a viabilização da terceirização dos engenhos. Com o uso de mais madeiras nativas, o produtor pode criar para cada marca um perfil novo, determinado na proporção da mistura.  E com isso, atrair investidores.

garrafas das cachaças Santo Grau Pedro Ximenes e Santo Grau Cinco Botas
As cachaças da Linha Rara da Santo Grau, a Pedro Ximenes e a 5 Botas são envelhecidas pelo sistema de Solera

Desde 2010, o engenho mais antigo do Estado de São Paulo trabalha com blends de cachaças.  A Santo Grau Pedro Ximenes é um exemplo: leva cachaças envelhecidas em barricas de Sherry Oak Casks (barris de vinhos de Jerez). A fazenda também comercializa a Barra Grande Retrô, com Jequitibá e Carvalho e prepara uma edição comemorativa para os 160 anos do engenho, que vai ter cachaças descansadas em três madeiras.

Blend ou single?

O termo blend pode ser considerado por alguns como impreciso para caracterizar a misturas de cachaças. No mundo do whisky um blended é uma bebida composta por whiskies provenientes de diferentes destilarias e alambiques. No Brasil, isso não é tão comum com a cachaça.

As misturas feitas aqui se assemelham mais aos chamados singles, bebidas elaboradas a partir da produção de um único produtor, mesmo que com lotes de diferentes anos. 

A maior complexidade da cachaça está em combinar e equilibrar as essências das diversas madeiras que podem ser usadas no envelhecimento. Enquanto outras bebidas partem apenas de uma única, o carvalho, a cachaça pode trabalhar com dezenas.

Acontece que o nome blend pegou e na falta de outro, a cachaça segue emprestando e atualizando o termo!

O uso das madeiras brasileiras nos blends

O Brasil dispõe pelo menos de 42 madeiras que emprestam sabor e podem ser usadas para o envelhecimento de cachaça.  O que permite uma oferta extensa de variações e opções para trabalhar num blend.

Para o Mestre Cachaceiro, Adwalter Menegatti, atualmente os blends tem se sofisticado e aberto novos horizontes para as cachaças com o acesso de novas velhas madeiras, com técnicas de tostas, ranhuras e adição de bebidas licorosas para uma posterior utilização e reservas.

Adwalter Menegatti master blender ou mestre de adega
Adwalter Menegatti, master blender ou mestre de adega da cachaça

“Temos uma diversidade gigantesca de matéria prima e podemos usar e abusar delas criando novos sabores, com as madeiras brasileiras duras ou macias, como a Amburana de olfato potente me lembra o doce da baunilha;  a Castanha com personalidade picante e adstringente; o Jequitibá apresenta um sabor neutro; e o Bálsamo novo com notas de anis bem forte, no paladar mostra um exemplar barril de sabor leve de funcho”.

Adwalter Menegatti

Ele explica que o tempo de maturação ou escolha do barril de um destilado de base muito pura, cujo estilo será leve e suave será menor do que um mais pesado, saboroso e oloroso, por exemplo.

Produtor da Cachaça Santa Therezinha, Adwalter recentemente fez um blend usando um Carvalho norte-americano, um Carvalho europeu e pitadas de Amburana. Ele conta que isso deixou a cachaça com gosto de coco com rapadura defumada, cozidas no fogo a lenha.

Em outro blend, da Cachaça Santa Terezinha Gourmet Sassafrás, a madeira recebe cuidadosamente especiarias que são tostadas. O resultado é uma bebida criada especialmente para flambar pratos como linguiças artesanais, realçando e enriquecendo o sabor.  E tem até blend elaborado para uma indústria de cosméticos, onde o sabor da bebida harmoniza com o perfume.

O blend da cachaça perfeita

O blend ideal é aquele que soma as qualidades das madeiras para no fim chegar a um produto agradável. E o caminho até a combinação perfeita é a experimentação sistemática. Ou seja, beber e analisar. Embora empolgante, o ofício é levado muito a sério.

Armando compara o trabalho do profissional dessa área ao do técnico da seleção brasileira. Ao chegar no alambique, o primeiro passo é fazer a classificação dos jogadores, neste caso, os tonéis. Todos são verificados, pois os atributos variam de um para outro. As informações são colocadas em planilhas que definem a cachaça quanto ao visual, aroma e sabor.

Com isso o mestre de adega sabe como está e para que vai usar cada cachaça armazenada. Depois, vem a seleção de quem vai participar do time, quais as cachaças que vão fazer parte do blend. Aquelas que não foram escolhidas, com o passar do tempo vão ficar aptas para as próximas remessas e algumas vão ser eliminadas e sair de campo.

“Vamos supor que em uma cachaça o picante dela foi alto. É uma cachaça que está ‘pegando mais’ e eu estou fazendo um blend que está meio bobo, sem presença. Preciso dar uma picância. Vou lá na tabela e vejo que no ‘tonel 89’ o picante deu alto, então vou usar essa cachaça para harmonizar”, exemplifica.

Tipos de blend de cachaça

  • Econômico – Esse tipo é o mais procurado pelos produtores que tem uma cachaça especial e gostariam de aumentar o volume dela sem perder as virtudes. É um blend de aproveitamento e padronização.
  • Montado – A seleção das cachaças é feita a partir de uma proposta bem definida pelo produtor e busca destacar um atributo em especial, como por exemplo o sabor frutado, floral ou amadeirado.
  • Comemorativo – São edições muitas vezes limitadas, com virtudes mais acentuadas que garantem a singularidade que o momento pede.
  • Especial –  São blends com cachaças superiores, voltados para mercados mais sofisticados.

Cuidados na produção de um blend

Se por um lado a ‘blendagem’ pode elevar as virtudes de uma cachaça, conferindo personalidade e a assinatura do produtor, por outro não faz milagres. Quando a cachaça usada é ruim ou de baixa qualidade os defeitos vão continuar aparentes e não há mistura que possa consertar.

Membro da Cúpula da Cachaça, Manoel Agostinho viajou o mundo para aprender sobre essa arte e diz que não existe cachaça perfeita. Mas, lembra que se no passado o blend foi usado para ocultar as peculiaridades não atrativas, hoje tomou um outro caminho, muito mais positivo.

Ele afirma que o grande cuidado na elaboração de um blend, e que deveria ser uma preocupação do master blender, é ter uma mistura uniforme, com dosagens precisas.

“Quando você tem a elaboração de um blend de uma forma profissional você usa uma unidade de medida chamada mililitros. Eu não posso trabalhar com 5 mililitros e um pouquinho, porque quando eu multiplico para fazer um tanque com 10 mil litros de cachaça, esse pouquinho vai fazer uma diferença muito grande”, comenta.

Manoel Agostinho

As escolhas também não podem ser feitas de maneira aleatória. O profissional precisa conhecer muito bem as características atrativas e não atrativas de cada amostra de cachaça que tem a disposição e saber onde quer chegar. Isso exige técnica, metodologia e boas práticas de produção.

Para a elaboração de um blend ainda é necessário ter condições adequadas, tanto físicas: como um local apropriado, longe de ruídos, cheiros e outras situações que possam interferir; quanto psicológicas do profissional. Além dos recursos intelectuais, conhecimento em análise sensorial, familiaridade com o processo de medição e muita paciência.

Manoel compara o blend a uma orquestra, onde um instrumento sozinho não faz diferença. O blender é quem traz a harmonia, mas se errar na regência a música desafina. Por isso, manter o equilíbrio é um objetivo e também um desafio.  O consumidor, quando gosta de uma cachaça, tem a expectativa de encontrar o mesmo produto em futuras compras. Seguir a fórmula evita decepções.

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