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ReporA complexidade de estilos de produção de cachaça pode assustar quem está começando a estudar sobre o destilado nacional. No entanto, esta justamente nessa diversidade um dos grandes méritos dessa bebida produzida há mais de 450 anos em praticamente todos os estados brasileiros. Uma maneira de começarmos esse estudo é entender como outras categorias de bebidas alcoólicas apresentam sua diversidade de estilos e filosofias de produção.
No mundo da cerveja já está bem consolidada a ideia de escolas cervejeiras. Atualmente, estão definidas 4 escolas distintas e complementares – alemã, belga, inglesa e americana. A proposta de cada escola é dar identidade para determinados estilos de cerveja, definindo sabores e formas de produção e consumo.
Para os alemães vale seguir a Lei da Pureza da Cerveja, que desde 1516 estabelece que os únicos ingredientes usados devem ser o malte de cevada, o lúpulo, a água e a levedura. Já para os belgas não existem restrições, a cerveja pode ser feita com diversos tipos de cereais e vale adicionar frutas, caramelo, mel, açúcar e até especiarias e sementes, além de, na maioria das vezes, ter o teor alcoólico mais elevado. Seguindo essa linha mais excêntrica, na Bélgica são produzidas as famosas Lambics através da fermentação espontânea por leveduras e bactérias selvagens.
Se o alemão tem a técnica regida pela lei e o belga a criatividade garantida pelas suas leveduras e ingredientes diversos, o inglês é um povo que sabe como quer beber sua cerveja: seca e amarga. Para casar com o clima chuvoso de Londres, os pubs servem cervejas de cor escura (avermelhadas, pretas, acobreadas) e encorpadas, criando alguns dos meus estilos favoritos, como as Stouts.
E por fim, liderado pelo movimento dos produtores caseiros de cerveja nos EUA, uma linha de pensamento cervejeiro que vem dominando o mundo (inclusive o Brasil), é a chamada Escola Americana. Influenciada pelas três vertentes europeias, os americanos gostam de ousar nos ingredientes e assumem novos limites para o amargor, a doçura e o teor alcoólico, criando as chamadas “cervejas extremas”. Sem regras engessadas, eles inventem modas e tendências, buscando resgatar receitas esquecidas ou fazer releituras de clássicos, como a IPA inglesa que nas mãos dos americanos ganhou mais lúpulo e virou a American IPA, mais amarga e cítrica.
O gin, destilado que surgiu na Holanda e produzido em todos os cantos do mundo, e aromatizado com bagas de zimbro, é outra bebida alcoólica que também pode ser categorizada em diferentes estilos de produção.
A categoria que mais se destaca é a London Dry, originada na Europa, mas produzida em várias partes do mundo. A principal características está na predominância do zimbro no aroma e no uso de botânicos tradicionais de gin como lavanda, raiz de angelica, sementes de coentro, raiz de lírio e cascas cítricas.
O estilo Old Tom apresenta gins com sabor mais adocicado vindo dos botânicos ou com adição de açúcar. Esse tipo de gin surgiu na Inglaterra quando muitos consumidores faziam seu próprio gin adicionando agentes aromatizantes no álcool. Devido à qualidade inferior desses popularmente chamados de bathtub gin (gin de banheira) adicionava-se açúcar para melhorar o sabor da bebida. Atualmente, os gins Old Tom são feitos com qualidade e a característica mais adocicada faz dessa categoria uma queridinha entre os bartenders.
New Western Dry Gin ou Contemporâneos é um estilo novo que começou a se despontar no começo dos anos 2000s. Essa categorias de gins modernos, que se enquadra inclusive o brasileiro Virga, tem como principais característica tirar a predominância dos aromas de zimbro e trazer botânicos locais em sua composição.
Os gins saborizados, ou flavored gins, é uma outra maneira de se pensar em produzir esse destilado. Os produtores que seguem esse estilo adicionam um botânicos assinatura após a destilação, geralmente por maceração. Dessa forma, os gins ganham um destaque de sabor que o distanciam dos estilos clássicos e ainda apresentam coloração.
A ideia de classificação em Escolas Cachaceiras é um complemento e não uma substituição aos estilos de cachaça definidos pela legislação brasileira que divide a cachaça em: prata, ouro, premium, extra-premium e reserva especial.
Assim como nas escolas cervejeiras as diferenças na produção da cachaça também estão relacionadas à fatores geográficos, culturais, econômicos, legais e históricos. E em diversos lugares do Brasil, encontramos receitas locais que resultam em cachaças com aromas e sabores distintos, tornando a bebida um dos destilados mais complexos e plurais do mundo.
Qual foi a intenção do produtor para fazer sua cachaça? Exaltar os aromas primários da cana-de-açúcar? Fazer uma cachaça potente, ácida e com predominância de aromas de fruta criados por uma fermentação selvagem? Ou ter as principais características da cachaça dependente quase que exclusivamente do envelhecimento da bebida em barris de carvalho americano – tamanha a dependência que muitos se confundem em se tratar de Bourbon.
No Mapa da Cachaça começamos a identificar essas variáveis nas receitas de produção que definem certos filosofias: cana, leveduras, bactérias, estilos de destilação, madeiras e o mestre de adega. Propomos aqui, algumas ideias iniciais que poderão nos ajudar a identificar e a definir as possíveis “Escolas Cachaceiras”:
As leveduras são os microrganismos (fungos) com o trabalho de transformar o açúcar em álcool e, durante a fermentação do mosto, criar os principais congêneres responsáveis pelo buquê aromático da cachaça. As diferentes cepas da levedura Saccharomyces cerevisiae são as principais responsáveis pela fermentação da cachaça.
Os produtores podem definir se a fermentação será com leveduras autóctones (selvagens) ou com leveduras padronizadas (selecionadas). As selvagens são as leveduras presentes no ambiente (terroir) e que espontaneamente começam o processo de fermentação.
Muitos produtores, buscando padronização, estão isolando e congelando as suas leveduras locais para utilizá-las durante diversas safras. Outros produtores compram leveduras selecionadas de fornecedores diversos também com o propósito de padronização e para tornar o processo mais eficiente e controlado – mas perdendo muito do seu território.
Diferentes cepas de leveduras favorecem estilos aromáticos distintos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, produtores estão usando uma levedura importada da Europa que favorece a criação de aromas florais durante a fermentação.
Durante o processo de fermentação muitos produtores apenas diluem o caldo de cana com água e preparam o mosto. No entanto, para estimular a proliferação das leveduras, outros produtores adicionam ao mosto ingredientes naturais, como o fubá de milho, o farelo de arroz e até o farelo de mandioca. Podemos fazer um paralelo com as escolas alemã e belga – enquanto um produtor de cachaça é mais purista e não quer nada além de garapa e água no seu mosto, outros acreditam na importância desses substratos naturais.
As bacterias no processo de fermentação da cachaça:
No litoral do Rio de Janeiro, em Paraty, o costume é produzir cachaça usando fubá de milho e leveduras selvagens e, se for seguir a tradição à risca, como fazem alguns produtores locais – usar pedras aquecidas durante a fermentação para manter a temperatura do caldo. A cultura de produção de Paraty, que em alguns sentidos se assemelha com a escola belga de cerveja, favorece uma fermentação láctica por bactérias – alguns podem achar essa prática condenável por tornar a fermentação suscetível à contaminação, mas na nossa visão, é mais uma maneira de agregar personalidade ao destilado – se feito com qualidade e sem riscos à saúde do apreciador.
O uso de madeira para agregar novas características sensoriais à bebida é um dos grandes potenciais do destilado brasileiro como bebida de qualidade. A cachaça é uma das poucas bebidas alcoólicas que não envelhecem apenas em carvalho – árvore que cresce apenas no hemisfério Norte. Madeiras nacionais como o bálsamo, umburana, jequitibá, ipê, tapinhoã e dezenas de outras variedades são utilizadas para o envelhecimento da bebida.
A diversidade de madeiras nativas associadas ao trabalho dos mestres de adega cria destilados únicos e só nossos.
Unindo criatividade, conhecimento técnico e experiência com madeiras nacionais, o mestre de adega tem o desafio de harmonizar diferentes cachaças e buscar engarrafar uma bebida com equilíbrio, harmonia e personalidade. O que o distingue dentro do mercado da cachaça está justamente na diversidade de madeiras nativas usadas para envelhecimento. Por isso, o mestre de adega é o CARA da cachaça, ou pelo menos, tinha tudo pra ser. Infelizmente, ainda é uma figura que não ganhou destaque no setor – até mesmo pela falta de reconhecimento da sua importância. Talvez, o mestre de adega mais famoso seja o Anísio Santiago, que conseguiu criar uma cachaça envelhecida em bálsamo que ficou famosa no mundo inteiro, influenciando toda uma produção local, estabelecendo uma Escola Cachaceira própria.
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