Encantos da Marquesa, quando a cana-de-açúcar importa para o sabor da cachaça

  • Publicado 3 anos atrás

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A cana-de-açúcar é quem dá a essência da Encantos da Marquesa, cachaça produzida pelos irmãos Edson Souza e Eduardo Martins. E não é qualquer cana. Ela tem nome, sobrenome e muita história pra contar.

Desde que nasceu, há pouco mais de uma década, a Encantos da Marquesa trabalha com uma filosofia de produção que aposta em cachaças varietais e safradas como forma de destacar características sensoriais, dar profundidade e complexidade para bebidas novas, sem passagem em madeira, portanto dando protagonismo aos sabores da cana-de-açúcar e da fermentação.

A marca foi a primeira a lançar, em 2011, um blend de cachaças brancas produzidas a partir de duas variedades diferentes e regionais de cana-de-açúcar. E busca ampliar o portfólio. Atualmente, três tipos de cana são usados na produção – a java branca, a java amarela e a java preta -, e a intenção é montar um jardim com mais de uma dezena de canas rústicas e regionais.

Cachaça Encantos da Marquesa Blend de Cana com fundo desfocado
Encantos da Marquesa Blend de Cana, a primeira cachaça varietal é uma mistura consciente de cana Java Amarela e cana Java Branca

Dessa forma, além de poder explorar um “universo” de combinações e possibilidades, os produtores ainda contribuem para a preservação da história do destilado, ao guardar a riqueza secular dessas plantas, numa espécie de museu vivo.

“Estamos focados em dar atenção para as variedades regionais, começar a oferecer no mercado materiais monovarietais ou blends, no sentido de criar uma cultura que valorize esses materiais para enriquecer o sabor da cachaça, principalmente da cachaça branca.”

Eduardo Martins, sócio-proprietário da Encantos da Marquesa

A Fazenda Marquesa, em Indaiabira, no norte de Minas Gerais, foi uma grata descoberta para os dois irmãos que são grandes curiosos de tudo o que envolve a terra. Edson é técnico agrícola e inventor, enquanto Eduardo é biólogo e ecologista, ex-presidente do Ibama. Eles procuravam uma propriedade para o desenvolvimento da silvicultura que trabalha com a exploração e manutenção racional das florestas.

Depois de dois longos anos, e prestes a desistirem do projeto, encontraram na microrregião de Salinas – num ambiente de transição entre o Cerrado e a Caatinga – as condições perfeitas para plantar eucalipto e muito mais. A fazenda tinha um alambique em funcionamento e o canavial formado.

A ideia de produzir cachaça inebriou os compradores. “A cachaça nos descobriu, não o contrário”, conta André Gonzales, que é filho de Eduardo, designer e comunicador da Encantos da Marquesa.

encantos da marquesa
Destilaria de cachaça na Fazenda Marquesa em Indaiabira – MG
Destilaria da Encantos da Marquesa
Tradicionais alambiques de cobre de 750 litros são usados na destilação da cachaça

“Não usamos Jequitibá para armazenar a cachaça. Nós usamos todo o poder e toda a capacidade que a cana tem, e traz na sua tradição, para produzir a riqueza de nuances de nossa cachaça branca”

André Gonzales, designer e comunicador da Encantos da Marquesa.

Cana-de-açúcar não é tudo igual

Ao valorizar as particularidades de cada cana, a Encantos da Marquesa também valoriza o território (terroir) e suas características regionais. Eduardo lembra que, por séculos, as primeiras mudas trazidas da Ásia foram sendo adaptadas e selecionadas, nas diversas regiões do país; de acordo com as especificidades de cada solo; cada clima; pensando na produtividade e resistência, mas tendo como um dos principais critérios norteadores desse melhoramento, a qualidade expressada na bebida.

E são essas singularidades, resultantes de anos e anos de cruzamentos genéticos, que  produtores da Escola Varietal da Cachaça buscam destacar.

Outras marcas que apostam em cachaça varietal, com indicação no rótulo, são as mineiras Fascinação e Tabaroa, e a capixaba Princesa Isabel, produzidas com cana caiana.

Conheça mais sobre as Escolas Cachaceiras

O que é uma cachaça varietal?

Uma cachaça varietal é aquela desenvolvida e produzida a partir de um único tipo de cana-de-açúcar (monovarietal) ou com grande predominância de uma variedade. O objetivo dos produtores é ressaltar características sensoriais de cachaças brancas, sem passagem por madeira. Por isso, geralmente, também distinguem a safra, incluindo nos rótulos o ano em que a cachaça foi produzida.

Atualmente, a legislação brasileira não contempla a definição de cachaça varietal, como ocorre com o vinho. Na área científica, também não existe um consenso sobre o alcance dessa influência. Pesquisas, em andamento, buscam identificar qual o real efeito da matéria-prima e suas variedades para a constituição final do aroma e sabor da cachaça.

Porque apostar numa cachaça varietal?

“Minas Gerais é o maior preservador dessas canas-de-açúcar conhecidas como pé-duro. A região Nordeste era a líder, até pouco tempo, mas está se rendendo às canas de usina.” 

Edson Souza, sócio-proprietário da Encantos da Marquesa

Para a Encantos da Marquesa, a cachaça branca pode expressar camadas de sabores diferentes que vão muito além do gosto vegetal de cana fresca. Mais do que uma filosofia de trabalho, a escolha pelo uso de uma variedade em detrimento de outra veio de estudos e muita experimentação.

Antes da primeira cachaça ser lançada, em 2009, a marca testou mais de dez tipos de canas entre variedades comerciais, desenvolvidas em grandes centros de pesquisa, e não-comerciais. Todas seguiram as mesmas condições de produção e foram avaliadas seguindo critérios de produtividade, comportamento na fermentação e qualidade sensorial.

O resultado das análises revelou que as chamadas canas pé-duro produziram uma cachaça de qualidade superior quando comparadas às canas híbridas. Essa diferença também foi percebida por especialistas chamados para degustação às cegas. “Daquele dia em diante, não olhamos mais para as canas de usina”, disse Eduardo.

A cana já tem mais de 30.000 genes identificados, dos quais cerca de 5.000 podem responder a estímulos externos. No colmo da cana existe um diversidade de metabólitos comparável a qualquer matéria prima de outros destilados. Por exemplo, um terço dos metabólitos da uva também estão presentes na cana aos quais se somam outros quarenta. A cachaça branca e pura, base da nossa produção, busca expressar essa diversidade. Por isso, decidimos safrar a Encantos da Marquesa, para captar as variações e as possibilidades ambientais do canavial.

Eduardo Martins

Padronizar processos, diferenciar resultados

A busca por alta produtividade tem direcionado as pesquisas para o desenvolvimento de plantas mais robustas. Uma cana de alto teor de sacarose vai produzir mais etanol, o que é muito bom para outros setores, mas não é isso o que confere riqueza sensorial para a cachaça, explicam os irmãos.

Descobrir a cana-de-açúcar perfeita para a produção do destilado é só o começo de um longo processo. A qualidade da cachaça depende de uma série de fatores que estão relacionados ao sistema de produção, desde o plantio à higienização do alambique. Trocar um canavial inteiro pode ser muito trabalhoso e caro, por isso, a dica de quem já passou por essa etapa é fazer aos poucos, testando os resultados, provando e registrando a cada ciclo.

Na Encantos da Marquesa, o sistema de produção é sustentável e menos intensivo, sem uso de insumos químicos ou agrotóxicos. O exagero de fertilizantes nitrogenados arrastaria elementos desagradáveis para a bebida. “Nossa fábrica é moderna do ponto de vista da evolução dos processos, mas mantém as características artesanais e de respeito ao meio ambiente”, explica Edson.

Carro de boi
Uso de carro de boi para transportar a cana até a moenda

Adubação caseira

Uma das grandes preocupações de quem se dispõe a fazer uma produção orgânica está em como atender às exigências de micronutrientes de um canavial sem fazer uso de produtos químicos. Para resolver o problema, Edson criou um sistema próprio e sustentável de adubação que reduz os custos e o impacto ambiental da fabricação da cachaça.

A mistura reaproveita um dos principais resíduos da indústria da cana, o vinhoto, e incrementa com esterco de vaca e pó de rocha, um remineralizador natural. “Ficamos no norte de Minas Gerais, então a solução mais econômica que encontramos foi forrar o curral com pó de rocha, o gado urinar e estrumar em cima disso durante a safra, que dura três a quatro meses. Assim, temos um produto muito rico”, conta Edson.

adubo
De forma integrada a Marquesa consegue reunir a pecuária, restos de colheitas do canavial e resíduos do processo de fabricação para gerar um fertilizante de alta qualidade capaz de manter a produtividade e a sanidade do solo.

As características básicas das rochas ainda neutralizam o vinhoto que é aplicado na formulação do adubo. Os produtores também oferecem as ponteiras da cana-de-açúcar na dieta dos bovinos. Elas são mais ricas em nitrogênio e, portanto, menos interessantes para a produção de cachaça.

Essas são apenas algumas das muitas inovações trazidas pela Encantos da Marquesa que buscam melhorar a qualidade do produto final, e ajudam a destacar a diversidade da cana. Eles ainda usam água da chuva para equilibrar o brix do mosto, pois a água do poço tem muito ferro. Desenvolveram sachês para a preparação do pé-de-cuba, renovam semanalmente as leveduras durante a safra. E, no envelhecimento, criaram, com as Dornas Havana, barris de madeira mista e um novo sistema de soleira, que foi registrado como brasiliensis. Mas isso é assunto para outro texto.

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