Onde estão os perigos na produção de cachaça artesanal?

  • Publicado 5 meses atrás

Seguir as boas práticas na produção de cachaça artesanal é fundamental para evitar acidentes e contaminações que podem comprometer a imagem do produto e até a vida das pessoas.

Uma boa bebida precisa ter qualidade e boas práticas. Isso ninguém discute! E não é diferente na produção da cachaça artesanal. Diante do avanço dos métodos produtivos, o que já foi considerado um atrativo na hora da compra, hoje é item obrigatório de qualquer alambique ou destilaria que se preze. A ciência associada à nossa bebida também experimentou um salto nas últimas décadas.  Agora, é hora de procurar cachaças especiais.

O setor é amplamente inspecionado e fiscalizado no Brasil. Afinal, lida diretamente com a saúde e o bem-estar da população, e, portanto, demanda uma atenção constante. O avanço do mercado de cachaças é inegável, ainda assim, eventos recentes mostram a necessidade de falarmos de algo básico em qualquer atividade: a segurança.

Desde o acúmulo de um composto indesejado até a concentração de gases asfixiantes num depósito mal projetado, quem produz um alimento ou bebida é responsável por tudo o que esse processo pode causar, principalmente quando não tomados os devidos cuidados. Seguir as boas práticas de produção é fundamental para evitar acidentes e contaminações que podem comprometer a imagem do produto e a vida das pessoas.

Como proteger a atividade?

As boas práticas de produção de cachaça artesanal devem ser rigorosamente seguidas, desde o campo na colheita, respeitando o tempo de processamento da cana, os cuidados no processo de fermentação, e todos os procedimentos operacionais da destilação, separação das frações, confecção e manutenção dos equipamentos.

Espaços confinados

A salas de fermentação precisam ser dimensionadas de acordo com o tamanho e a quantidade de dornas. Elas precisam estar separadas de forma a facilitar a manutenção e limpeza. O ambiente também tem que ter iluminação e ventilação adequada, a partir de janelas ou exaustores.

Perigo:

No processo de fermentação as leveduras convertem o açúcar simples em álcool e gás carbônico. Se não for dissipado, em altos níveis de concentração, esse gás pode causar dor de cabeça, problemas na vista, sensação de cansaço e, em casos extremos levar à morte por asfixia.

Recomendação:

Ao entrar em salas de fermentação, procure estar acompanhado. Como o gás carbônico é mais denso que o ar atmosférico tende a se acumular nas partes inferiores dos ambientes. Cuidado redobrado com a presença de crianças. Se sentir dificuldades de respirar saia imediatamente do local.

Equipamentos inadequados

O processo de produção de cachaça artesanal envolve diversos equipamentos, desde o corte à limpeza da cana e moagem, passando pela fermentação, destilação, armazenagem e envase. O uso de equipamentos mal projetados ou materiais inadequados pode causar acidentes e contaminações.

Perigo:

Na fermentação durante a produção de cachaça artesanal acontecem reações químicas, a acidez e o calor naturais do processo podem gerar um efeito corrosivo. Dependendo do recipiente onde o mosto é colocado, são extraídos compostos indesejáveis. Os mesmo acontece no processo de destilação, onde esses compostos podem ser arrastados até a condensação.

Recomendação:

O Regulamento de Avaliação da Conformidade da Cachaça, formulado pelo Inmetro, estabelece o uso de aço carbono ou aço inoxidável para as dornas de fermentação, não podendo ser usadas dornas construídas de resina, fibras, madeira ou alvenaria. Para a destilação: cobre e/ou aço inoxidável

produção de cachaça artesanal de maneira informal
Equipamentos para produção de cachaça artesanal com pouca manutenção e locais com condições precárias de higiene podem resultar em cachaças com compostos prejudiciais à saúde.

Manutenção falha

A prestação de serviços de manutenção dos equipamentos também faz parte da cadeia produtiva, podendo influenciar diretamente na segurança do trabalhador e na qualidade do produto.

Perigo:

Em moendas onde a manutenção não é adequada, o caldo pode ser contaminado com óleo ou graxa de lubrificação, indo para os tanques de fermentação. A limpeza das dornas é outro procedimento cauteloso e crítico. As leveduras são muito sensíveis à condição ambiental e exposição a produtos químicos. O cloro, por exemplo, não é indicado.

Recomendação:

Os engenhos mais antigos necessitam de lubrificação diária para o bom funcionamento. A manutenção deve ser feita por pessoas treinadas e que conheçam a estrutura do alambique. O produtor deve manter controles documentados dos processos de manutenção e de higienização comprovando que são feitos adequadamente.

Segurança do trabalhador

Muitos alambiques para produção de cachaça artesanal operam em situação ainda rudimentar e uma grande parte é formada por empresas pequenas e familiares. A carência de normas específicas para o setor impede uma produção mais segura e humanizada.

Perigo:

Os acidentes de trabalho acontecem geralmente por falhas no processo e falta de informações. Por ser considerada uma atividade simples, alguns empregadores podem negligenciar a etapa de treinamento e capacitação dos trabalhadores.

Recomendação:

As máquinas usadas para produção de cachaça artesanal devem possuir dispositivos de proteção que impossibilitem contato do operador ou demais pessoas com as partes móveis. O produtor deve também fornecer, gratuitamente, equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados.

Congêneres e contaminantes

Os produtores da cachaça artesanal não devem ver o processo de fermentação como algo secundário, pois muitos componentes e congêneres são formados nesse momento e arrastados na destilação. Alguns integram o perfil sensorial complexo da cachaça, outros podem afetar, comprometendo o produto final, trazendo os chamados off flavors da cachaça.

Fermentação, uma das etapas mais importantes na produção da cachaça artesanal
Cuidados durante o processo de fermentação é um dos fatores mais importantes para a produção da cachaça artesanal

Metanol

É um álcool indesejável na cachaça e está relacionado a um componente da própria matéria prima. Se concentra no início da destilação, por isso a comercialização ou reutilização da fração de cabeça para consumo é considerada má-prática. No organismo, o metanol diminui o pH sanguíneo, afetando o sistema respiratório, podendo levar ao coma, a cegueira e até à morte. Uma destilação modulada e controlada diminui a formação de metanol.

Carbamato de etila

É potencialmente cancerígeno e representa uma barreira à exportação de cachaça. Várias fontes são responsáveis por sua formação, como: o tipo de leveduras e os subprodutos do metabolismo delas, contaminação bacteriana, temperatura, teor alcoólico, acidez e pH. Destilação lenta com leveduras e equipamentos adequados são formas de diminuir a incidência de carbamato de etila.

Álcoois superiores

São responsáveis diretos pelo odor da bebida. Em excesso, diminuem o valor comercial e a qualidade da cachaça. Se formam em maior quantidade quando a fermentação ocorre de forma desequilibrada.  O uso de fermentos não selecionados ou reaproveitados da indústria não é indicado. Outros fatores que influenciam: temperatura alta e aumento de acidez e armazenamento inadequado da cana.

Acidez volátil

A alta acidez pode ser atribuída à contaminação da cana ou do próprio mosto fermentado por bactérias. Isso pode acontecer desde a plantação com ataque de pragas que abrem os canais de contaminação, na forma e tempo de estocagem da cana, ou com uso de fermentos inadequados que fazem com que parte do substrato sofra fermentação acética. Isso também diminui o rendimento da produção.

azinhavre, perigos na produção de cachaça artesanal
Azinhavre é uma substância de cor esverdeada ou escura, formada a partir da oxidação de metais como o cobre e o bronze. É um tipo de corrosão que ocorre na superfície desses metais quando expostos ao ar ou à umidade por longos períodos de tempo. 

Cobre

As principais contaminações por cobre acontecem por falta de cuidados no alambique ou no sistema de resfriamento, principalmente em equipamentos antigos que ainda possuem serpentinas de cobre. A primeira destilação deve ser feita com água, de modo a eliminar todos os resíduos, inclusive da limpeza. Ao final, manter o alambique e as serpentinas com água para evitar oxidação.

Chumbo e Arsênio

As duas substâncias químicas são provenientes de soldas inapropriadas feitas nos equipamentos. O chumbo causa danos ao cérebro, sistema nervoso e rins, enquanto o arsênio é classificado como potencial agente cancerígeno para o ser humano. Para evitar contaminação, sempre realizar reparos no alambique com a solda apropriada à base de cobre e nunca usar misturas sem procedência.

Aldeídos

São compostos muito voláteis, de odor marcante, que afetam o aroma das bebidas alcóolicas e são responsáveis pela ressaca. Podem estar presentes no caldo, quando a cana é queimada. As cachaças ricas em aldeídos também são provenientes de alambiques que não separam os produtos da cabeça durante a destilação. A intoxicação por aldeídos pode levar a sérios problemas.

Acroleína

É uma substância extremamente tóxica e cancerígena formada pela desidratação do glicerol, composto contido na célula das leveduras que foram arrastadas para o alambique, ou por contaminação bacteriana. Descansar o vinho por algumas horas em dorna volante, para sedimentação da biomassa, reduz o arraste. Quanto mais limpo, menores as chances de contaminações

Fonte:

Cauré Portugal. Biólogo, doutor em enologia pela Universidade de La Rioja (Espanha) e pós-doutor em ciência de alimentos. Consultor  da Associação Brasileira dos Responsáveis Técnicos de Destilarias, Alambiques e Engarrafadoras de bebidas (ABRTB).

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