Devemos falar sobre o mercado da cachaça informal?

  • Publicado 5 anos atrás

A chamada cachaça informal pode ser prejudicial à saúde e dificulta a valorização da cachaça como destilado de qualidade. Mas não podemos negar a importância social e econômica desses milhares de produtores espalhados pelo país.

Para muitas famílias, geralmente localizadas nas regiões mais pobres do Brasil, produzir cachaça artesanal tem a mesma importância de se plantar um pé de feijão – é uma questão de subsistência.

De maneira informal, sem qualquer registro do Ministério da Agricultura, encargos tributários ou conhecimento técnico, esses produtores não destilam pela arte ou por amor ao ofício. Nesses lugares no interior do Brasil, cachaça é uma cultura de produção que complementa a renda familiar.

Grande parte das bebidas informais não é feita com o compromisso de agradar paladares. O consumidor que passa pelo alambique e leva a sua PET cheia de pinga não compra pra degustar – o que se espera na maioria das vezes é apenas o efeito entorpecente do álcool. Não existe a alquimia de um produtor que escolhe a cana a dedo, que cultiva a sua levedura com cuidado ou inventa um blend de madeiras nobres. Por essa falta de compromisso, apesar de muitas vezes serem perfumadas ou até saborosas, as cachaças informais possuem elementos indesejáveis e perigosos como o metanol e o cobre.

Mas mesmo assim, nas minhas próximas viagens quero colocar um ou outro alambique informal no meu roteiro de visitas.

Perigos da cachaça informal
Fermentação da cachaça informal

No Brasil são registradas mais de 4 mil marcas de cachaça de alambique – número bastante expressivo. Mas se formos considerar as cachaças de alambiques informais podemos multiplicar esse número por 10 (uma estimativa feita pelo mercado, não conheço uma fonte que se propôs a investigar o número de fato).

A realidade é que em algumas cidades do norte de Minas, por exemplo, são encontrados centenas de produtores fazendo 5-10 mil litros de cachaça por ano no quintal de casa. Esse cenário se repete em muitos outros estados brasileiros.

O cliente da cachaça curraleira é o próprio produtor da cachaça formalizada

O motivo para existirem tantos produtores informais é porque existe mercado para a cachaça barata. E em muitos casos, o cliente é o próprio produtor da chamada cachaça formalizada.

cachaça informal
Os produtores informais também comercializam suas cachaças com rótulos e garrafas próprios improvisados – muito fácil de ser encontradas em pontos de venda nas estradas

O pequeno produtor familiar tem seu preço condicionado pela indústria de cachaça que paga de R$1 a R$2 pelo litro de pinga produzido. Um desses produtores da cachaça curraleira (como também pode ser chamada essa pinga informal) me disse que o preço depende muito da safra e que muitas vezes são reféns dos valores impostos pela indústria.

No final da safra da cana caminhões da indústria passam nas propriedades desses pequenos produtores e se abastecem com centenas de milhares de litros de pinga que depois serão padronizados e estandardizados em alambiques formais. Pelo preço barato da cachaça comprada de terceiros, a indústria consegue colocar no mercado uma cachaça formal com preços muito competitivos. Em muitas dessas empresas a cachaça comprada chega a representar de 60% a 70% da produção.

Partindo de fontes informais a cachaça se espalha por todo o Brasil com rótulos, selos de conformidade e algumas até premiadas por quem mais condena a pinga curraleira.

Deixar de falar do produtor informal ou apenas destacar seus pontos negativos é excluir toda uma economia da cachaça, que possui mais trabalhadores do que a indústria automotiva nacional, e contribui para colocar no mercado muitas marcas, algumas inclusive consagradas.

Para quem quer entender sobre o cenário de produção de cachaça no Brasil é fundamental olhar para os informais. São eles os responsáveis pelo abastecimento de muitas prateleiras, e quando regularizados e priorizando a qualidade da cachaça, tem o potencial de valorizar a pequena produção familiar local.

Torcer o nariz e condenar o pequeno produtor ilegal é uma grande hipocrisia, afinal a cachaça com registro que você tomou no bar pode ter sido destilada no curral de algum produtor da cachaça artesanal informal.

No final das contas, quem mais perde com o mercado desinformado e pouco regularizado é principalmente o pequeno produtor formalizado da cachaça artesanal, aquele responsável por todas as etapas de produção e por alto encargos tributários – que não consegue justificar para o consumidor o valor agregado ao seu produto.

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