Carbamato de Etila e Qualidade da Cachaça

  • Publicado 6 anos atrás

Estudos da ESALQ-USP buscam auxiliar os produtores a reduzirem a quantidade de carbamato de etila presente na produção de cachaça de qualidade.

O carbamato de etila é um composto potencialmente carcinogênico que normalmente está presente em bebidas destiladas, sendo este o maior fator de exposição humana (Food and Agriculture Organization – FAO, 2007). A estimativa de ingestão varia consideravelmente em relação aos diferentes países e tipos de destilados consumidos. A qualidade química da cachaça está inteiramente relacionada com a baixa concentração de compostos contaminantes. Os principais contaminantes são metanol, sec-butanol n-butanol, cobre, e principalmente o carbamato de etila (CE). Além de ser um problema de saúde pública, concentrações de CE superiores a 150 µg/L em cachaças e aguardentes brasileiras representam uma barreira à exportação da bebida.

Ao longo da produção e estocagem do produto, diversos precursores naturalmente presentes em bebidas e alimentos fermentados podem propiciar a formação do CE. A maior formação ocorre até 72hs após a destilação.

alambiques de cobre na cachaça menores volume de carbamato de etila

Estudos apontam que as técnicas de destilação podem influenciar na formação de carbamato de etila

Contudo, os chamados precursores são compostos como uréia, citrulina, N-carbamil fosfatos e cianeto, produzidos durante a fermentação e presentes no liquido recém destilado. Alguns estudos constatam que uma das principais vias de formação pode ser considerada a degradação enzimática de glicosídeos cianogênicos presentes na cana-de-açúcar.  Outra via de formação considerável é a da ureia, fonte nitrogenada normalmente utilizada na suplementação nutricional para leveduras em mostos industriais. Relatos científicos apontam demais fatores envolvidos na formação do CE, tais como tipo de levedura, subprodutos do seu metabolismo, contaminação bacteriana, temperatura de fermentação, teor alcoólico, acidez e pH.

Pesquisas buscam a aplicação de tecnologias para eliminar ou minimizar a concentração desse contaminante via redução da formação dos precursores. Após 20 anos do alerta mundial da presença de CE em destilados, altos níveis ainda persistem, principalmente nas bebidas provenientes de pequenas destilarias, onde o processo carece de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e controle dos pontos críticos. A aplicação de tecnologias simples pode prevenir a formação de elevadas concentrações do CE.

Diversas pesquisas visam monitorar os teores de CE nas cachaças e aguardentes de cana presentes no mercado, porém poucas focam na redução deste contaminante durante o processo de produção. Estudos realizados no Laboratório de Qualidade Química de Cachaça (LTQC), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ – USP), vem testando diversas hipóteses para redução do CE. Testes realizados com caldo contaminado em comparação com caldo tratado, evidenciaram maior formação de CE no caldo contaminado. A suplementação do mosto com ureia também conduziu elevados teores de CE. O preparo do mosto e a condução da fermentação torna-se portanto um ponto a ser controlado.

Outro ponto chave é a destilação. Devido ao ponto de ebulição do CE ser 185°C, a concentração deste composto em bebidas destiladas pode ser monitorada com sucesso, mediante uma destilação bem conduzida. A separação das frações é primordial para redução dos níveis de CE. Em estudo, a dupla destilação possibilitou significativa diminuição da concentração de CE na aguardente de cana-de-açúcar, onde cerca de 97% do foi eliminado da bebida e concentrou-se na “cauda” e na vinhaça.

A conformação do aparelho de destilação também pode influenciar na formação de CE. Em testes realizados com alambiques com diferentes sistemas de condensações (hot head, head cooler, deflegmador e retificador), resultados indicaram que a concentração de CE na cachaça dependeu da configuração do alambique, e também do método de destilação. Baixa velocidade de destilação e alambiques equipados com deflegmador ou retificador foram mais eficientes na redução do CE.

Algumas pesquisas consideram o processo de envelhecimento como formador de CE. Cachaças recém destiladas aumentam o teor de CE durante um período determinado até sua estabilização, sendo que a concentração formada é maior quando estocada em barris de madeira que em recipientes inertes. Porém, testes com envelhecimento de cachaça já estabilizada (2 anos em recipiente inerte) e estocada em barris de 225L de carvalho, durante 1,5 anos, mantiveram os teores iniciais ao longo do tempo de envelhecimento.

Dúvidas frequentes são ressaltadas com relação à formação do CE em cachaças, porém a aplicação das Boas Práticas de Fabricação (BPF), juntamente com controle de pontos críticos do processo, podem minimizar a concentração desses contaminantes na bebida e atingir a qualidade ideal de uma boa cachaça. Não é possível a percepção sensorial do CE, no entanto, análises laboratoriais podem determinar a concentração presente na cachaça.

 

Alcarde, A. R., Souza, L. M. and Bortoletto, A. M. (2012) Ethyl carbamate kinetics in double distillation of sugar cane spirit, J. Inst. Brew., 118, 27-31

Alcarde, A. R., Souza, L. M. and Bortoletto, A. M. (2012) Ethyl carbamate kinetics in double distillation of sugar cane spirit. Part 2: Influence of type of pot still, J. Inst. Brew., 118, 352-355.

Bortoletto, A. M. and Alcarde, A.R. (2013) Congeners in sugar cane spirits aged in casks of different woods, Food Chem., 139, 695–701.

Bortoletto, A. M., Silvello, G. C., Alcarde, A. R. Chemical and microbiological quality of sugar cane juice influences the concentration of ethyl carbamate and volatile congeners in cachaça. J. Inst. Brew (in review).

Aline Bortoletto é Cientista de Alimentos formada pela ESALQ – USP, com especialização em envelhecimento e aromas de bebidas no IUVV – Université de Bourgone, França e em análise sensorial e propriedades cognitivas na AGROSUP Dijon, França. Atualmente é doutoranda na ESALQ – USP e desenvolve pesquisas em cachaça, compostos aromáticos, elaboração de blends, garantia e controle de qualidade em bebidas.

André Alcarde é Engenheiro Agronômo formado pela ESALQ – USP, com mestrado e doutorado em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela USP. Realizou Pós-Doutorado em Tecnologia de Bebidas no INRA – Montpellier, França. Atualmente é Professor Associado II da ESALQ – USP na área de Tecnologia e Qualidade de Bebidas, com ênfase na cadeia produtiva de cachaça, garantia e controle de qualidade em bebidas.

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