As madeiras brasileiras muito além da cachaça

  • Publicado 3 anos atrás

Conheça as madeiras brasileiras usadas para envelhecimento de outras bebidas como whisky, gin, cerveja, coquetéis e rum

O uso de madeiras brasileiras no envelhecimento de cachaça é bastante conhecido. Vem dos tempos da colonização, quando espécies nativas da Mata Atlântica foram empregadas como substitutas dos famosos carvalhos europeus para armazenar todo tipo de produtos.

Mas, se naquela época a alternativa tupiniquim vinha carregada de uma “síndrome do vira-lata”, hoje é diferente. A valorização do que é nativo tem aberto novos mares e criado um movimento de redescoberta desse potencial para produção de bebidas exclusivas, que vão muito além da cachaça.

Bebidas complexas são envelhecidas em pequenos barris. As pessoas cada vez mais estão levando essa experiência de envelhecer bebidas em casa. E a riqueza da biodiversidade brasileira oferece milhares de opções que temperam cervejas, gins, whiskies e até coquetéis na medida certa.

Só na Amazônia existem 3248 espécies de árvores catalogadas. Dessas, 150 já foram testadas pelo biólogo e apaixonado por descobertas etílicas, Eduardo Martins. Na lista aparecem também espécies da Caatinga e do Cerrado – do total, 60% tiveram boas notas na avaliação sensorial. A arte de desenvolver novas receitas e combinar com madeiras nacionais tem provocado resultados, no mínimo, curiosos para se degustar.

Madeira brasileira usada na maturação de cerveja

Para quem tem menos de 40 anos e nunca bebeu chopp distribuído em barris de madeira, a experiência pode ser ainda mais intensa. Eduardo Martins sugere começar com a linha Tanoa Single Wood. Uma receita básica de pilsen puro malte, maturada em três madeiras diferentes da flora brasileira: Amburana, Ipê e Bálsamo, que conferem três experiências sensoriais distintas.

Cerveja Tanoa

Produtor de cachaça e tanoeiro, ele se aventura há pelo menos dez anos numa parceria cervejeira que formou o projeto Tanoa Brasil.  A iniciativa busca harmonizar diferentes estilos de cerveja com a expressão aromática das madeiras brasileiras. O método desenvolvido nesse processo é mais rápido e barato do que o envelhecimento em barril ou dorna e perfeito para testes sensoriais.

Eduardo trabalha com cubos de madeira que são adicionados na receita durante a fermentação. Entre 30 e 90 dias já é possível saborear os resultados.  E o processo de maturação continua mesmo depois da bebida engarrafada, como acontece com o vinho. “A cerveja consegue fazer extrações da madeira que são extraordinárias”, confirma.

Entusiasta, Eduardo afirma que qualquer receita de cerveja pode casar com uma madeira brasileira. Tudo depende do resultado que o mestre cervejeiro busca. Para ele, as madeiras da flora nacional tem grande potencial, mas é preciso ainda superar os desafios da extração e criar um processo sustentável com planos de manejo. “Se a gente trabalhar um pouco e houver interesse dos cervejeiros, tem boa chance de criarmos uma identidade da cerveja brasileira com base nas nossas madeiras”, completa.

Whisky canadense envelhecido em amburana

No mundo inteiro, o carvalho ainda é o rei! E não se questiona a qualidade dessa madeira, mas o mercado tem vivenciado mudanças positivas na busca por produtos diferenciados, que podem ser aproveitadas pelos artesanais brasileiros. Cada vez mais pessoas têm se deparado com um novos estilos, envelhecidos em barris peculiares, como um uísque americano amadurecido em Amburana, árvore nativa do sertão nordestino.

whistlepig-amburana

O WhistlePig, é um whisky que demonstra essa busca por sabores exóticos para já tradicionais marcas. O blend é um whisky norte-americano de centeio envelhecido por 12 anos em carvalho e finalizado em amburana. A madeira, muito comum no armazenamento e envelhecimento de cachaça, tem notas sensoriais que lembram canela, baunilha e outras especiarias.

Rum nacional envelhecido em barris de ipê

A nova tendência tem sido finalizações nada ortodoxas entre os sofisticados destilados do mercado internacional. “O grande momento atual é de inovação em envelhecimento, vejo isso no rum, claramente. Os produtores já estabelecidos vão usar barris tradicionais, mas vão usar barris com xerez ou porto. A inovação é um período de acabamento nesses barris”, explica Vicente Bastos Ribeiro, da Fazenda Soledade.

Rum Brasileiro - Fazenda Soledade

A madeira é parte essencial desse processo. Cada barril é diferente: a origem, o tipo, a torra e o histórico de uso, além do tempo que a bebida fica na barrica influenciam diretamente nos aromas e sabores finais do produto. E não é preciso ir muito longe para experimentar algo sofisticado com toque brasileiríssimo.  O rum Soledade Ouro é envelhecido em barris de Carvalho e Ipê, por dois anos.

A escolha não foi por acaso, o Ipê é uma madeira dura que causa um efeito oposto ao destilado: amacia a bebida deixando notas florais. Na versão branca, o rum Soledade repousa em barris de Jequitibá por três meses. “Eu tenho certeza que as madeiras brasileiras tem futuro promissor nesse mundo que estamos vendo, um mundo que está buscando alteração do perfil sensorial”, comenta Vicente.

Gins contemporâneos brasileiros e as madeiras nacionais

Na fazenda Guadalupe, em Pirassununga, a dorna de Jequitibá Rosa é a “Senhora” da casa. Com capacidade para 20 mil litros virou a mãe do alambique. Nunca está vazia. Ela surgiu da necessidade de armazenamento – assim como na história dos barris de madeira, que remonta a Mesopotâmia 400 a.C –   e virou marca de identidade.

Mas, gin não precisa de descanso em madeira, aliás são raros os rótulos envelhecidos. A legislação brasileira nem reconhece essa classificação para a bebida, com acontecer com a cachaça que pode ser classificada como premium ou extra-premium de acordo com o tempo na madeira. No entanto, isso não impede que a madeira agregue ao perfil aromático dos gins nacionais.

O gin, assim como a cerveja, está aberto a uma infinidade de combinações, desde que respeitada a base: álcool neutro e zimbro. “Hoje produtor de bebida tem na madeira uma maneira de inovar, de pensar como aumentar portfólio, fazendo algo desconhecido”, afirmou Felipe Jannuzzi criador do Mapa da Cachaça e produtor de gin.

Mas, nem tudo precisa ser tão diferente. Originalmente, o gin holandês chamado de “Genever” leva uma porcentagem de outro destilado: o Malt Wine (Moutwijn), que nada mais é que um vinho de malte. Isso inspirou a produção do Virga, o primeiro gin artesanal produzido no Brasil. Além de uma especiaria pouco conhecida no país – o Pacová – a bebida brincou com a base alcoólica incluindo a cachaça de sabor adocicado, descansada na dorna de Jequitibá Rosa, da Fazenda Guadalupe.

Virga

Os coquetéis e as madeiras brasileiras

Os barris de madeira podem ser mais um ingrediente usado na coquetelaria para envelhecimento de receitas clássicas como o Negroni ou Rabo de Galo. Coquetéis mais alcoólicos e sem a presença de ingredientes que oxidam rapidamente, como o limão, podem se tornar assinaturas únicas e deliciosas para serem consumidas nos bares.

Madeiras como bálsamo e amburana são as mais utilizadas porque em poucas semanais trazem muito sabor para o coquetel. Além de envelhecer no próprio barril, os bartenders têm usado também a mesma técnica que Eduardo Martins usa nas suas cervejas: dadinhos de madeira para envelhecimento acelerado.

A valorização e proteção das madeiras brasileiras

Mais do que manter tradições, conquistar o consumidor e valorizar a cadeia de produtos locais, movimentos como da cerveja maturada, do rum descansado, do coquetel envelhecido e do gin com cachaça que passou por jequitiba-rosa, trazem uma intenção maior: a de proteger e divulgar o patrimônio brasileiro, como forma de preservar o que é nosso. É bom lembrar que algumas espécies, como a Amburana, estão em processo de extinção.

Madeiras em extinção

“Seria muito legal, e acredito que isso vá acontecer quando o mercado ficar mais maduro e profissional, o produtor ser mais exigente em relação a quem fornece para ele os barris e também o próprio consumidor buscar esse lastro”, refletiu Felipe.

Algumas madeiras nacionais usadas no envelhecimento de bebidas

Amburana (Amburana acreana):

Muito marcante, a amburana em poucos dias já aporta características sensoriais. É uma madeira muito perfumada (baunilha, canela), oferecendo aromas florais (flores brancas) e amadeirados – é necessário atenção para a intensidade não comprometer o equilíbrio sensorial – bebidas com muita presença de amburana tem aquele aroma característico de “armário de vó”. Quando tostada (no kit ela é tosta média), entrega muita doçura, especiarias e suavizando sua intensidade tânica.

Bálsamo (Myroxylim balsamum)

Madeira muito usada para envelhecimento de cachaça no norte de Minas Gerais, como a famosa cidade de Salinas. O bálsamo traz muita especiaria (rico em eugenol), frutado e tânico. É uma madeira resinosa, que, assim como a amburana, merece atenção e períodos mais curtos de envelhecimento acelerado para não ficar intragável. Sua tosta reduz a intensidade tânica e eleva seu dulçor em equilíbrio com as especiarias (cravo).

Castanheira (Bertholletia excelsa)

castanheira é conhecida popularmente como “o carvalho brasileiro” por ser rica em vanilina, trazendo aromas associados a junção do tostado com baunilha, chocolate e caramelo. Após tosta reduz também sua intensidade vegetal de madeira nova e enriquece a percepção sensorial de castanhas. A castanheira está em extinção e tem seu corte proibido – fique atento de comprar apenas de tanoeiros com certificação.

Cumaru (Dipteryx Odorata)

cumaru é rico em cumarina, matabólito encontrado em diversas plantas como a erva-doce e guaco. O seu aroma remete a baunilha com bastante intensidade. Por isso, a cumarina é amplamente usada na indústria de cosméticos e aromatizantes. O cumaru é de dulçor e especiaria elevados e resinosidade mediana. A amburana também é rica em cumarina, sendo muito mais popular na tanoaria brasileira para envelhecer bebidas do que o próprio cumaru.

Ipê (Handroanthus sp.)

A tosta e tratamento são necessários para fazer do ipê uma madeira ideal para tanoaria, entregando maciez, diminuindo a intensidade tânica e aumentando dulçor. A madeira entrega sabores associados a nozes e castanhas.

Jequitibá (Cariniana micrantha)

Existem algumas espécies distintas de jequitibá utilizadas para armazenamento e envelhecimento de cachaça. A Cariniana legallis, conhecida como jequitibá-rosa, é uma árvore típica da Mata Atlântica com características sensoriais distintas de outros jequitibás encontrados pelo Brasil. A Cariniana micrantha, conhecido popularmente como castanha-de-macaco, e madeira presente no kit de envelhecimento, é uma árvore da floresta Amazônica. A madeira é considerada neutra, contribuindo para a bebida se tornar mais leve e agradável. Quando tostado, o jequitibá contribuí com elementos vanílicos que intensificam o dulçor da bebida.

Putumuju (Centrolobium tomentosum)

Conhecido também como ariribá, o Centrolobium tomentosum é uma árvore nativa da Mata Atlântica. A madeira brasileira não é muito usada na tanoaria para envelhecer bebidas, mas possui enorme potencial por trazer contribuição floral (talvez a maior de todas as madeiras presentes no kit). A tosta do putumuju também contribui para maior dulçor e aromas que lembram frutas vermelhas (morango).

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