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ResetAs diferentes formas de se produzir cachaça, graças às tradições, à natureza e também aos adventos tecnológicos, resultam em estilos de cachaça, com um leque enorme de cores, aromas e sabores. Vale se aventurar nesse complexo universo, que vai desde a “purinha”, aquela que não passa por barris e dornas, a um sem-fim de notas sensoriais presentes nas versões envelhecidas da bebida.
Graças também às dezenas de madeiras possíveis para envelhecimento, como bálsamo, amburana, carvalho, jequitibá-rosa, garapeira, canela-sassafrás, entre outras, a cachaça não é uma só, são muitas. E merece todo o nosso respeito. Neste artigo, representamos essa diversidade em nove “Escolas Cachaceiras”.
A Escola Varietal exalta a relevância da cana-de-açúcar para a definição das características sensoriais das cachaças puras ou novas, aquelas que não passam por madeira.
“Linda morena. Fruta de vez temporana. Caldo de cana caiana. Vou te desfrutar”
Alceu Valença
Atualmente, são pouquíssimos os produtores que assumem e identificam no rótulo a variedade da cana. Essas cachaças são monodestiladas, podendo ser diluídas ou não com água após a destilação. A fermentação é com leveduras autóctones (selvagens ou selecionadas). Além de destacar a variedade das canas, esses produtores trazem também o conceito de safra identificando o ano da produção no rótulo.
Java, mulatinha, caiana, havaianinha, SP801842, CTC-5 são alguns dos nomes que encontramos pelos canaviais brasileiros. Nesses rótulos, todos os cachaceiros trabalham com canas específicas, porque acreditam no diferencial sensorial que cada uma traz para o destilado.
Outros destilados também destacam o papel da matéria-prima na definição das suas características sensoriais. O Tequila tem no agave azul a sua única fonte de produção, que o diferencia dos outros mezcais, que podem ser produzidos de outras variedades da planta.
No mundo dos destilados de cana-de-açúcar também se revela fundamental a escolha da variedade de cana para a produção do rhum agricole, o primo caribenho da cachaça também produzido do caldo de cana.
Presente em diferentes regiões do Brasil, a Escola do Fermento Caipira segue a tradição da fermentação espontânea com a utilização do fermento caipira, leveduras autóctones selvagens e o uso de substratos na preparação do pé de cuba, principalmente o fubá de milho.
“Sou caipira, Pirapora…” (Renato Teixeira)
Durante a destilação, a cachaça é monodestilada, com separação do coração para engarrafamento. A maioria dos produtores adeptos dessa escola da cachaça possui cachaças puras ou armazenadas em barris de carvalho exauridos ou em barris de madeiras brasileiras de grande volume, principalmente jequitibá-branco, jequitibá-rosa, amendoim, freijó e amburana.
A madeira não exerce papel de protagonismo, a grande contribuição para as característica sensoriais das cachaças dessa escola está na fermentação selvagem, fazendo uma cachaça agreste, rica em aromas de frutas e primários da cana-de-açúcar.
Com auxílio de laboratório, as leveduras são selecionadas e escolhidas a dedo pelo cachaceiro-alquimista. Afinal, são elas as principais responsáveis pelos aromas e sabores da bebida.
Eles são discretos e silenciosos. Moram bem longe dos homens. Escolhem com carinho. A hora e o tempo. Do seu precioso trabalho”. (Jorge Ben Jor).
Os produtores que seguem Escola da Seleção de Leveduras estão explorando o potencial de diferentes cepas de leveduras selecionadas e técnicas de fermentação para buscar complexidade e padrão no perfil sensorial das suas cachaças.
A seleção pode ser feita através de cepas comercializadas e já bastante difundidas no mercado, como a CANAMAX e a CA11, ou na compra e utilização de leveduras usadas para cerveja e outros destilados. Outra tendência é o isolamento e seleção de leveduras autóctones, quando também trazem o discurso da valorização do terroir ou território da cachaça.
A percepção sensorial dessa escola é mais nítida ao degustar cachaças puras, com destaque para os aromas secundários da bebida. Para favorecer o desenvolvimento das leveduras selecionadas, muitos cachaceiros pasteurizam o mosto antes da fermentação e utilizam tecnologia de ponta como dornas de inox fechadas com controle de temperatura. Geralmente, as cachaças dessa escola não utilizam substratos, como fubá de milho, têm teor alcoólico ameno e são armazenadas em inox ou em dornas de madeiras neutras.
Durante o processo de destilação, o líquido que condensa do alambique de cobre é dividido em três partes: cabeça, coração e cauda. O coração é a fração nobre do destilado e aquela apropriada para consumo. Os produtores da Escola do Coração Bruto têm como filosofia de produção engarrafar suas cachaças puras e interferindo o mínimo possível no coração da aguardente.
Após a destilação, a aguardente pode passar por alguns meses em dornas de inox, mas ao contrário de outras puras, as cachaças do Coração Bruto sofrem pouca ou nenhuma diluição com água ou outras aguardentes – favorecendo um teor alcoólico elevado, assumindo na maioria das vezes o máximo para cachaça (48%). Dessa forma, a bebida apresenta características marcantes dos aromas primários e secundários, que após a evaporação do álcool intenso revela na taça sua complexidade aromática.
Assim como a Escola Varietal, a Escola do Coração Bruto apresenta cachaças para os já iniciados nos sabores do nosso destilado nacional.
As cachaças de diferentes lotes ou, até mesmo, produtores, são padronizadas, realizando uma nova destilação e/ou maturando a cachaça em barricas de madeiras, principalmente em antigas dornas de grande porte de amburana.
“Panela velha é que faz comida boa” (Moraezinho)
O cachaceiro tem parte ou a totalidade de sua produção feita por meio da compra de cachaças produzidas por terceiros. Geralmente, a cachaça adquirida é redestilada em alambiques de cobre para padronização e envelhecida em madeira, especialmente o carvalho, amburana ou bálsamo por mais de seis meses.
Em alguns casos, quando não é redestilada, a cachaça é padronizada em grandes dornas de madeira, sobretudo feitas de amburana. Por partir de fontes de terceiros, o grande mérito dos produtores dessa escola da cachaça é buscar a consistência de uma safra/lote para outra – feito adquirido com as técnicas de padronização utilizando os barris e dornas.
A diversidade de madeiras nativas associadas ao trabalho dos mestres de adega cria destilados únicos e só nossos.
“Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil” (Mario de Andrade)
As práticas, regras e legislações relacionadas ao envelhecimento no mercado da cachaça têm como referência os destilados importados que só passam por barris de carvalho. Mas no Brasil são utilizadas madeiras nacionais com características e reações muito distintas da madeira importada. Um grupo de mestres de adega, munido do conhecimento formal adquirido nas pesquisas acadêmicas e nas experiências com técnicas consagradas de envelhecimento, está se propondo a desvendar o que seria uma tanoaria brasileira e quais as melhores práticas para trabalhar com as madeiras nacionais.
Nomes como Adwater Manegatti, Evandro Weber, Erwin Wiemann, Armando Del Bianco, Leandro Marelli e os irmãos Edson e Eduardo Martins se destacam como os precursores dessa escola e colocam no mercado cachaças que revelam todo o potencial das madeiras brasileiras aliadas às últimas tecnologias de envelhecimento. Essas cachaças têm seu perfil sensorial adquirido no momento em que entram nas barricas de madeiras nativas, em especial a amburana, o bálsamo, a castanheira, o cedrinho e outras com alto potencial de agregar sabores e aromas. Os mestres de adega aplicam técnicas variadas como a tosta a vapor, o envelhecimento em soleira, a queima das paredes dos barris após a aplicação de essências naturais e blendagens com carvalho, tendo sempre a madeira nacional como protagonista.
Com sotaque gringo, vêm o casamento da cachaça com jerez, conhaque, uísque ou outras bebidas por meio da utilização de técnicas de envelhecimento com o importado carvalho.
“Ai eu vou misturar, Miami com Copacabana. Chiclete eu misturo com banana, e o meu samba vai ficar assim”
Jackson do Pandeiro
É inevitável que os produtores de cachaça sejam influenciados por outras bebidas feitas fora do Brasil, propondo, dessa forma, um cruzamento entre cachaça e outros destilados e fermentados, como vinho, uísque, conhaque, grappa, rum e vodca. Ao se apropriarem de práticas utilizadas por produtores de outras bebidas, os cachaceiros começam a enquadrar a cachaça num padrão de qualidade reconhecido internacionalmente, sem deixar de contribuir com os diferenciais da aguardente brasileira. As cachaças identificadas nessa escola têm no envelhecimento sua principal assinatura, quando usam barris de carvalho que passaram por outras bebidas, técnicas de soleira para maturação ou até mesmo a criação de blends assinados por mestres de adega com experiência em outras bebidas.
Essas cachaças são, geralmente, envelhecidas por mais de um ano em barris de carvalho e apresentam teor alcoólico ameno. Em muitos casos, a semelhança com outras bebidas vai além do líquido e inspira também a criação da identidade visual da garrafa e do rótulo do produto.
Anísio Santiago criou em Salinas – MG uma filosofia de produção que inspirou muitos outros seguidores. O grande segredo da Escola Anísio Santiago está na maturação da bebida, quando utilizam grandes e exauridos barris de bálsamo para envelhecer cachaça por muitos anos.
“A tradição é uma questão de significado muito mais amplo. Não pode ser herdado e, se você quiser, deve obtê-la com grande trabalho” (T.S. Eliot)
Na década de 1940, Anísio Santiago criou em Salinas, Minas Gerais, a cachaça Havana, uma das marcas mais prestigiadas do mercado. Sua fama a tornou sinônimo de cachaça de alambique e ajudou a cidade a se destacar como polo produtor. Muitos produtores locais, alguns, inclusive, parentes de Anísio Santiago, fabricam bebidas que seguem a Escola da Cachaça do mestre de Salinas, assim como cachaceiros de outras regiões e estados também levaram esses ensinamentos para seus alambiques.
Na maioria das vezes, essas cachaças utilizam canas de variedades locais, a fermentação é selvagem e com a adição do fubá de milho, e a destilação é feita em alambiques de pequeno porte, alguns de formato “chapéu de padre”. O grande segredo da Escola Anísio Santiago está na maturação da bebida, quando utilizam grandes e exauridos barris de bálsamo para envelhecer a cachaça por muitos anos. As cachaças apresentam cor amarelo-esverdeado, com aromas que lembram cravo, anis e ervas. Essas cachaças também são potentes, com teor alcoólico entre 44-48%.
A identidade visual é também semelhante, com o uso de garrafas âmbar e rótulos cujo estilo de tipografia e a seleção de cores mantêm um padrão constante. Alguns desses produtores também destacam no rótulo que produzem aguardente de cana – expressão comum em meados do século passado para diferenciar a produção artesanal da industrializada.
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