A venda da Ypióca e o futuro da Cachaça

  • Publicado 12 anos atrás

Na semana passada foi anunciada a compra da Ypióca e toda sua estrutura operacional pela Diageo, multinacional detentora das marcas Smirnoff, Johnnie Walker, José Cuervo e Nêga Fulô. O valor, de quase R$1 bi, espantou muita gente. Mas não é para pouco: a aguardente da cana é o terceiro destilado mais consumido no mundo, e as 5 grandes destilarias do país – a  Ypióca dentre elas – são donas de quase todo este mercado.

O movimento ocorre em boa hora. O mercado de bebidas está de olho no Brasil: o whisky tem aqui seu melhor mercado mundial e maior crescimento nos últimos anos, a Tequila também vai muito bem, obrigado; e a Champagne e até o Vinho Verde estão de olho no bolso do brasileiro.

Se por um lado a aquisição traz excelentes novidades e benefícios para o mercado, por outro também me preocupa um pouco. A Diageo tem inegável competência de mercado, detendo a liderança mundial no segmentos de destilados. Não é difícil duvidar que ela não trará boas mudanças para o setor, principalmente – acredito eu – na linha das aguardentes industriais. É esperada uma valorização e desenvolvimento da qualidade – e da imagem – deste produto no país.

No entanto, justamente por ser dona da maior fatia do mercado de destilados é que eu me preocupo com suas ações. Não é de se esperar que seja de interesse da companhia valorizar a “caipirinha de verdade, feita com Cachaça”, como fez há algum tempo a Sagatiba e a própria Ypióca (veja mais neste post aqui). A vodka líder do mercado, muito usada neste e em outros drinks, é de propriedade da companhia de origem britânica. Tampouco acredito que seja de seu interesse divulgar o consumo da Cachaça com gelo – o que poderia conflitar com o consumo de whisky. Shots? A Tequila já está neste território.

Como valorizar então a Cachaça sem brigar com os territórios conquistados pelas outras bebidas? Há continentes inexplorados ou é necessário travar uma guerra? Se nos restar a última alternativa, ainda não temos exército suficiente para enfrentá-la. A saída é abrir novos horizontes e navegar além mar. Mas que terra de Colombo é esta que ainda temos a descobrir?

Será que a Diageo vai conquistar o mercado da cachaça?

Ao meu ver, trata-se de mais um continente que está “debaixo de nosso narizes, mas a gente não viu”. É o saboroso mundo da gastronomia. A gastronomia, principalmente a brasileira, ainda não tem seu destilado favorito. Ou tem, mas as pessoas não o conhecem: a cachaça. Se hoje a bebida que mais se aproxima do território da culinária é o vinho; pouco se associa ainda a boa cachaça à boa mesa. No entanto, é ela uma das que melhores se articula com a gastronomia: antes da refeição, durante, depois ou na própria refeição como ingrediente. São inúmeras suas possibilidades de sabor, e de casamento com pratos (veja algumas receitas com cachaça aqui no Mapa da Cachaça)

Não precisa ser coisa elitista ou sofisticada: a cachaça guarda a prerrogativa de ser mais despojada, mais natural, mais sem frescura e mais “da gente”. Ainda tem o grande e inexplorado potencial de casar muitíssimo bem com pratos e ingredientes locais, exclusivos do Brasil – e super saborosos. Como eu disse em meu livro, a Cachaça pode ser o grande canal para levar “mais Brasil à mesa dos brasileiros”.

E dessa conquista podemos participar todos: chefs, donas de casa, homens na cozinha, jornalistas, publicitários e, claro, quem sabe também as grandes companhias do setor. Não se trata de um esforço solitário. Acredito, portanto, que o casamento da cachaça premium com a gastronomia seja um interessante caminho, diante dos desafios apontados, para podermos valorizar nossa bebida nacional.

E a aguardente industrial?

Mas peraí, a história ainda não acabou. Tudo bem, valorizar a cachaça através da gastronomia pode ser uma boa ideia, mas a aguardente industrial, que é o assunto da semana, como fica?

Embora sejam produtos parecidos, eles têm suas diferenças de público e de sabor (veja mais nesta série de posts). A aguardente industrial deve seguir na esteira da Cachaça Premium, mas com atenção especial a outra “concorrente”: a cerveja. Outra bebida que está constantemente associada à comida é a cerveja. Cerveja no churrasco, cerveja no almoço de domingo, cerveja até na feijoada. É claro que a cerveja é mais leve que a Cachaça, e favorita daqueles que preferem ingerir o álcool aos pouquinhos (mas não em menor quantidade). Mas para outros, ela “empapuça”, engorda, não cai bem com a comida e desce mal quando esquenta. A Aguardente de Qualidade, além de mais barata se comparada ao volume equivalente de álcool na cerveja, também pode ser mais fácil na “logística” destes eventos (menos garrafas para carregar ou colocar para gelar, p. ex.).

Não estou falando aqui de sugerir o aumento do consumo de álcool em volume, mas sim de sugerir a associação da Cachaça a estes momentos de comemoração; à festividade. Creio que aproximar a Cachaça deste território seja uma estratégia a ser levada em consideração. É hora de mudar a imagem da cachaça como a bebida do cara que “encosta a barriga no balcão para beber” para uma bebida de celebração. Assim, quem sabe, teremos cada vez mais motivos para comemerar.

Um abraço e até o próximo post!

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