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ReporPoucas invenções são tão ligadas à terra e à história do Brasil quanto a cachaça. Em Paraty não é diferente. Uma história escrita com suor e sangue escravo. Contam registros que a Baía da Ilha Grande teria sido descoberta pelos colonizadores na mesma época em que as primeiras mudas de cana de açúcar eram trazidas para o país, da Ilha da Madeira na costa portuguesa.
Localizado no litoral sul do Rio de Janeiro, o município já foi a porta de entrada do eldorado brasileiro e porto importante do comércio marítimo. Produtora de renome, serviu a cachaça do Imperador, e participou da descoberta da influência das madeiras no envelhecimento da bebida, quando as barricas ainda eram levadas de mula até Ouro Preto, em Minas Gerais. No século XIX, a cidade chegou a ter mais de 150 alambiques.
Nada mais natural do que a jovem história brasileira da cachaça, com as Indicações Geográficas, ter começado por lá à beira mar. Em 2007, Paraty foi a quarta região do Brasil a conquistar a denominação na modalidade Indicação de Procedência, e a primeira região do país a obter o registro com cachaça.
Pouco mais de uma década depois, a Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty (APACAP) anuncia o protocolo de um novo pedido, com objetivo de alterar a classificação para Denominação de Origem (DO). Um passo a mais para o reconhecimento legal do terroir da cachaça, que é a influência de clima e solo no padrão sensorial do produto final.
Nos últimos anos, as Indicações Geográficas alcançaram maior visibilidade no país, com ações de fomento de entidades governamentais e privadas como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e acordos internacionais. Apesar disso, a realidade mostra que esses selos ainda são pouco explorados no setor da cachaça.
“Um cálice de paraty, diz-se ainda hoje, como quem diz madeira, porto, colares, cognac, champanhe, bordeaux, tokay, terras que são nomes de vinhos”
Luís da Câmara Cascudo, Prelúdio da Cachaça, 1967
O investimento nas Indicações Geográficas representa uma estratégia de posicionamento e vantagem competitiva para os produtores de cachaça dentro e fora do país. Diante de um mercado cada vez mais competitivo os consumidores estão mais atentos a questões relacionadas com qualidade, boas práticas, sustentabilidade e origem.
Para carregar o selo da Região de Paraty, administrada pela Associação dos Produtores e Amigos da Cachaça Artesanal de Paraty (APACAP), o produtor deve ser legalizado e associado. Atualmente, a entidade conta com seis afiliados que comercializam onze marcas reconhecidas pela Indicação de Procedência.
As vistorias aos alambiques são anuais, feitas pelo Conselho Regulador local e com coleta de amostras para análise. É uma garantia a mais para o consumidor. “Se alguma cachaça apresentar algum tipo de não-conformidade ela é excluída e não pode usar selo de procedência.”, explica Lúcio Gama Freire, produtor cachaça Pedra Branca e presidente APACAP.
A indicação de procedência agrega valor à cachaça, diferenciando o produto, fidelizando o consumidor que pode conhecer mais de perto a produção, fomentando o turismo (histórico, rural e gastronômico), preservando o patrimônio da região, além de estimular parcerias e investimentos que levam à inovação e sustentabilidade. Em Paraty, pesquisas com novas variedades de cana de açúcar, feitas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), já dobraram a produção sem aumentar a área de plantio.
Outro trabalho, com a Universidade de São Paulo, por meio da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” analisou o padrão sensorial da cachaça de Paraty e comparou com as características do clima e solo identificando características exclusivas no destilado da região. O estudo está sendo usado para embasar o pedido de alteração da classificação de procedência local. “Seria algo inovador para a cachaça. A gente está muito esperançoso porque o trabalho está muito bem feito”, finaliza Lúcio Gama.
As IGs são uma ferramenta coletiva de certificação dos atributos de um produto, processo ou serviço. Quando um bem recebe a Indicação Geográfica da Cachaça, passa a ter sua herança histórica, cultural e territorial protegidas legalmente contra imitações e uso indevido. Diferente da Certificação de Origem que é atestada por um pessoas distintas da produção, a Indicação Geográfica conta com um grupo que se responsabiliza pela garantia das boas práticas e da qualidade do processo de produção.
O pedido pode ser feito por associação, sindicato ou qualquer outra entidade, desde que estabelecida dentro da área delimitada e que tenha um quadro social composto por participantes da cadeia produtiva. O registro também pode ser solicitado: individualmente no caso da existência de um único produtor na região ou localidade delimitada; ou por órgão internacional.
Por ser um direito à propriedade industrial e intelectual, assim como marcas e patentes, no Brasil o órgão responsável pela análise é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O tempo estimado de processamento de um pedido chega a 26 meses (2 anos e 2 meses), mas com o plano de eliminação de backlog, anunciado no ano passado, a autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, espera reduzir esse tempo pela metade até 2021.
Para para pedidos feitos por associação ou sindicato é obrigatória a apresentação de 14 documentos que vão desde o Estatuto Social registrado da entidade, Atas de Assembléias Gerais e CPFs dos representantes até material que comprove que o nome geográfico se tornou conhecido, no caso de IP; e documentos que comprovem a influência do meio geográfico, se tratando de DO. Para pedidos individuais ou de produtos estrangeiros a lista é diferente.
Consulte o Guia Básico do INPI
Outro título exigido no processo é o Caderno de Especificações Técnicas que deve conter: o nome a ser protegido, a descrição do produto, a delimitação da área geográfica por instrumento oficial, além de descrição do processo de produção ou fabricação do produto pelo qual o nome geográfico ficou conhecido, no caso de ser uma IP; ou a descrição das qualidades ou características do produto que se devam exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos, no caso de ser uma DO.
“O Brasil produz cachaça no país inteiro, de Norte a Sul, e cada região tem sua particularidade, suas características e diferenças sensoriais próprias do território. Quanto mais regiões forem reconhecidas com sua Indicação Geográfica isso só vai crescer e favorecer o setor.”
Lúcio Gama Freire, produtor cachaça Pedra Branca e presidente APACAP
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