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ReporEm 2016 fui convidado pelo meu amigo holandês Joscha Niemann para participar da produção de um gim. A ideia seria produzir um gim artesanal, de alta qualidade, mas com preço acessível – que não fosse tão caro quanto os equivalentes importados e que tivesse a identidade de um gim verdadeiramente nacional – não queríamos criar uma cópia dos importados que já tínhamos disponível nas prateleiras.
“Distinto e leve, diferenciado em relação aos gins tradicionais pelas notas vegetais e de baunilha da base alcoólica. Leve aroma de pinho do zimbro, com semente de coentro, e notas cítricas, de ervas e doces” – The Gin Guide 2019
Nessa mesma época tinha viagem marcada para Berlim para falar sobre cachaça no Bar Convent Berlin, uma das maiores feiras de destilados do mundo. Por lá, tive a oportunidade de experimentar gins produzidos em diferentes cantos da Europa, feitos com ingredientes e revelando aromas, sabores e histórias locais. Muitas das nossas motivações com o Mapa da Cachaça está em ter no destilado brasileiro uma maneira de valorizar ingredientes e culturas regionais. Em Berlim, vi que poderia fazer algo semelhante produzindo um gim nacional.
Voltei da Europa com a mala lotada de garrafas de gim e com a vontade de colaborar com o projeto.
Apesar da origem holandesa, a bebida se tornou tão famosa na Inglaterra que contribuiu para um dos estilos mais populares, o London Dry Gin. Depois de beber muitas marcas diferentes para buscar referências de qualidade, definimos que faríamos um gim que fugisse do estilo London Dry e buscasse uma identidade mais contemporânea.
O segundo passo seria entender qual tipo de álcool usaríamos como base. A maioria dos gins usa álcool neutro de cereais – materia-prima mais acessível na Europa. Mas como estamos no Brasil, resolvemos usar como base alcoólica a cana-de-açúcar. O álcool neutro de cana-de-açúcar, de alto teor alcoólico, tem papel de extrair as propriedades sensoriais dos botânicos durante as infusões.
Outro ponto importante que decidimos desde o princípio é que Virga seria todo destilado em alambique de cobre. Além de melhorar a qualidade do gim, utilizar o alambique de cobre é também uma forma de homenagearmos nossa tradição em destilar cana nesses equipamentos, uma prática que fazemos no Brasil desde o século XVI
Estima-se que existam mais de 40 mil alambiques de cachaça no Brasil – algo notável e que gostaríamos que fizesse parte da história do nosso gim. Como a cachaça é um produto de safra, ou seja, ela é produzida apenas quando a cana está madura, muitos produtores de cachaça possuem uma capacidade de produzir outras bebidas na entressafra. Esses equipamentos de destilação poderiam ser usados para produzir rum, uísque, grapa, gim – temos em mãos um potencial de iniciar uma revoluções de bebidas artesanais destiladas nesses alambiques espalhados pelo país.
Para a produção do nosso gim, contamos com a colaboração do Gabriel Foltran, proprietário da cachaça Engenho Pequeno, de Pirassununga no interior de São Paulo. Toda nossa produção é feita por lá e Gabriel assina como mestre alambiqueiro. Para o rótulo e material de comunicação de Virga chamamos meu amigo de infância, o João Lucas, um talentoso designer gráfico.
Depois de definido que usaríamos álcool de cana, precisávamos fechar a receita dos ingredientes e suas proporções. Todo gim tem notas marcantes de zimbro, ingrediente indispensável. E como estamos no Brasil, com rica variedade de recursos naturais, tínhamos uma paleta enorme de ingredientes para escolher.
Mas também não é nosso objetivo apresentar o mesmo de sempre: uma imagem de Brasil estereotipado, apelando sempre para o exótico de botânicos de nomes que nós brasileiros de São Paulo ainda não ouvimos falar. Um dos nossos objetivos é fazer do gim uma maneira de conhecer o Brasil, e não engarrafar um perfume inusitado para turistas buscando experiências rápidas e pouco inspiradoras – não queremos que gostem do nosso gim por ele ser exótico, queremos que gostem dele por ele ser único, por contar uma história e por nos ajudar a entender e valorizar nosso país.
Como botânico especial para Virga escolhemos o pacová (Renealmia exaltata), uma planta da Mata Atlântica da familia do gengibre. Sensorialmente, achamos que o pacová lembra cardamomo, gengibre, menta, pimenta do reino e amadeirado – uma pequena semente brasileira com um potencial de sabor incrível! Quem nos ajudou a escolher o pacová foi Helton Muniz, que em sua fazenda mantém uma preciosa coleção de mais de 1.300 espécies botânicas.
Outro ingrediente especial de Virga, que o torna único, é a utilização de uma pequena porcentagem de cachaça de alambique no seu blend final. Como a maioria dos gins produzidos utilizam apenas álcool neutro (etanol), nossa vontade era trazer para nossa base alcoólica aromas e sabores – algo notável apenas em bebidas que não foram multidestiladas, como a cachaça, rum, tequila, mezcal, grapa. Dessa forma, parte da riqueza aromática do nosso gim está na utilização de uma excelente branquinha produzida especialmente para Virga. Uma outra inspiração para a blendagem com cachaça está na própria origem do gin, um destilado holandês chamado Genebra, que tem na sua composição uma porcentagem de álcool não-neutro de cereais chamado de maltwine.
Acreditamos e torcemos para que em breve muitas outras marcas de gins brasileiros artesanais sejam lançadas. Estamos no que poderia ser um onda muita interessante com pequenos produtores artesanais lançando suas versões de gins nacionais – como foi com a cerveja anos atrás. Gostaríamos que a popularização de destilados nacionais de qualidade nos ajudem a avançar em algumas questões:
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