Os Alambiques de Cachaça de Quissamã

  • Publicado 13 anos atrás

Antes de ser convidado para participar do IV Encontro de Produtores de Cachaça de Quissamã e do seu ranking de cachaça, eu nunca tinha ouvido falar desse munícipio do estado do Rio de Janeiro. Quando falamos das cachaças fluminenses lembramos sempre dos alambiques do Vale do Café ou de Paraty. Quissamã era para mim uma incógnita e saí de São Paulo muito curioso para conhecer a história da cidade e a sua relação com a produção de cachaça.

O avião partiu de São Paulo às 7:30 da manhã do dia 9 de setembro. Chegando ao Aeroporto Santos-Dummont, entrei logo numa van e parti pela BR-101 rumo ao norte do estado. Depois de pouco mais de três horas no carro, cheguei ao destino final.

Logo de cara percebi que fazia muito sentido a produção de cachaça em Quissamã: o munícipio é uma ilha cercada por um mar de cana-de-açúcar. Passando pelos canaviais em direção ao centro da cidade, fui percebendo que ali era um local com uma história muito rica, mas ainda pouco conhecida – o tipo de lugar que o Mapa da Cachaça quer divulgar.

Estrada para Quissamã - Mar de Cana

A história da cidade começou quando sete Capitães Militares do Rio de Janeiro receberam a concessão de sesmarias – terras distribuídas pelo governo português com a intenção de estimular a agricultura – na região que hoje chamamos de Quissamã. A concessão foi uma recompensa do Governador Martim de Sá pelo importante papel dos Capitães na luta contra os invasores holandeses e contra os piratas ingleses e franceses que ameaçavam o norte fluminense.

Consta que quando os Capitães chegaram na região das sesmarias, em 1632, encontraram um negro entre um grupo de índios Goytacazes. O negro se identificou com um escravo liberto vindo da nação angolana de Quiçama, uma cidade a 80 km de Luanda e um dos principais pontos na África onde os negros eram vendidos e negociados como escravos.  A palavra angolana significa “fruto da terra que está entre o rio e o mar”.

As primeiras atividades econômicas da região foram o algodão e o gado. O primeiro engenho de açúcar de Quissamã só foi construído em 1789 por Manuel Carneiro da Silva, o primeiro Visconde de Ururai. Com a crise mundial do açúcar devido à revolta dos escravos do Haiti, o preço da mercadoria subiu muito, tornando a sua produção um negócio muito rentável. No final do século XIX já havia sete engenhos em Quissamã produzindo açúcar.

A produção de açúcar transformou a cara de Quissamã. Casarões e mansões imponentes onde viviam barões e viscondes do açúcar foram erguidas naquelas terras. Diversas personalidades importantes da época, como o imperador D. Pedro II, frequentavam essa região de grande importância econômica para a Metrópole.

mansão do visconde de araruama

  • Engenho Central de Quissamã:

No dia 12 de setembro de 1877 foi inaugurado o primeiro engenho central da América do Sul, o Engenho Central de Quissamã.

Engenho Central de Quissamã

O objetivo era aumentar o volume, a velocidade e a qualidade da produção com a concentração da fabricação do açúcar em um moderno engenho central. Dessa forma, os fazendeiros locais conseguiam competir com outras partes da colônia que também plantavam a cana-de-açúcar e com o mercado internacional que plantava a beterraba.

Fachada do Engenho Central de Quissamã - Rio de Janeiro

Toda a sua maquinaria foi criada por uma empresa francesa chamada Fives Lille. Para escoar o açúcar começou a funcionar em 1872 o Canal Campos-Macaé. O canal tem 106 km e é considerado uma das maiores obras de engenharia brasileira do século XIX. A sua construção começou em 1844 e só terminou em 1861. Várias vezes durante minha estadia em Quissamã pude presenciar o orgulho que eles sentem pelo canal, que dizem ser o segundo maior canal artificial do mundo.

Canal Campos-Macae em Quissamã

Havia também uma linha ferroviária de 40 km e quatro locomotivas que conectavam as fazendas de Quissamã ao Engenho Central, todas atualmente desativadas.

Locomotiva - Engenho de Quissamã

A monocultura da cana-de-açúcar foi a principal atividade econômica da região até a descoberta do petróleo na Bacia de Campos. Em 2002, o Engenho Central foi desativado e hoje, as atividades econômicas de Quissamã são: os derivados da cana (com investimentos e incentivos para a produção de cachaça), coco verde, gado e petróleo.

Infelizmente não pude aproveitar os passeios e atrações turísticas, entre elas os bailes típicos de origem afro-brasileiras como o fado,  o jongo e o boi malhadinho. A cidade oferece também praia, lagoas e o próprio canal como opções de lazer. Mas como eu estava lá para conhecer os alambiques, não tive sequer tempo para experimentar os famosos quindins e doces caseiros de Quissamã.

  • Concurso de Cachaças de Quissamã:

Foram oito os participantes do concurso de Cachaças de Quissamã. O pesquisador da Pesagro, Arivaldo Viana, o membro da Academia Brasileira de Cachaça, Paulo Magoulas, o sommelier Leandro Batista; o cachacier, Maurício Maia; eu, representando o Mapa da Cachaça; o representante da Confraria do Copo Furado, Paulo Sérgio Revoredo; a representante do Ministério da Agricultura, Andréa Gerk; e o representante da secretaria municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Cosme Francisco Chagas.

Concurso de Cachaça de Quissama

O concurso teve como conclusão que as cachaças de Quissamã podem melhorar muito. A prova disso foram as suas colocações na degustação realizado às cegas. Ao todo foram avaliadas dez cachaças. A cachaça Bousquet (de Bom Jesus do Itabapoana), Barra Velha (Campos dos Goytacazes) e Fazendinha (Santa Maria Madalena) ficaram respectivamente em primeiro, segundo e terceiro lugares. Os alambiques de Quissamã (Cachaça do Zeca, Quissacana, Engenho São Miguel e CTE/Alcantilado) ficaram nas últimas colocações.

  1. Bousquet Ouro
  2. Barra Velha
  3. Fazendinha Ouro
  4. Fazenda Soledade Pura
  5. Guaribú
  6. Do Zeca
  7. São Miguel Prata
  8. Quissacana
  9. Chico Tobias
  10. Alcantilado

O que se percebe também é que a produção de cachaça em Quissamã é muito recente. A cidade vem nos últimos meses investindo em tecnologia e conhecimento. O papel dos especialistas presentes no evento foi de justamente ajudar os produtores a encontrarem o melhor caminho para evoluírem na qualidade. Outro ponto que precisa ser destacado é que Quissamã não possui ainda cachaças envelhecidas. Pelo pouco tempo de produção, os alambiques de Quissamã que participaram do concurso foram representados por cachaças brancas ou armazenadas. No entanto, no concurso estavam participando também cachaças envelhecidas, o que dificulta muita a comparação entre as cachaças – como diz o chef Rodrigo Oliveira, do Restaurante e Cachaçaria Mocotó: “Degustar cachaça branca com cachaça envelhecida é a mesma coisa que misturar champanhe com vinho tinto”.

Eu acabei me surpreendendo muito com as instalações de Quissamã. O alambique da cachaça Engenho São Miguel é um dos mais modernos e bonitos que já vi até hoje.

Cachaça Engenho são Miguel

A minha conclusão final é que Quissamã tem uma fórmula vencedora. Eles têm cana-de-açúcar espalhados por todos os cantos da região, dinheiro dos royalties do petróleo para investir em modernos alambiques e conhecimento e o mais importante: vontade de produzir a melhor cachaça do Brasil. Vamos ver essa evolução e registrar aqui no Mapa da Cachaça.

Fotos por:
Andréia Gerk e Leandro dos Santos Fernandes

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