Os caminhos para a Aguardente Industrial de Qualidade

  • Publicado 12 anos atrás

Cachaça Premium é Cachaça envelhecida, certo? Segundo a norma técnica do Inmetro, sim. E para muitos consumidores e produtores, também. Mas venho aqui levantar algumas questões que comentei já no passado, quando da aquisição da cachaça Ypióca pelo grupo Diageo, sobre como as grandes empresas produtoras da aguardente industrial podem valorizar a cachaça no mercado.

Para começar, quem disse que Cachaça envelhecida, antes de ter sido colocada em um tonel de envelhecimento, era já uma boa Cachaça? Não há envelhecimento capaz de corrigir, por exemplo, destilação que mistura cabeça, coração e cauda. Mesmo que as certificações averiguem sua qualidade química, não é justo dar o título de Premium a uma Cachaça só por ser envelhecida. E, mais ainda: quem disse que Cachaça branca não pode também ser Premium?

Essa questão sobre a cachaça premium é que interessa a nós e compete aos fabricantes industriais. Nos últimos tempos, temos observado o investimento em Cachaças premium por esses players: [cachaca id=”10402″]Velho Barreiro Diamond[/cachaca], Reserva 51, [cachaca id=”6832″]Ypióca 160[/cachaca] e Pitu Gold Premium. Todas envelhecidas; algumas por mais de 6 anos. É claro que elas elevam a visão do público sobre a Cachaça como categoria, e trabalham a favor de nosso destilado nacional. Mas, pensemos também por outro lado: algumas dessas ações são quase como se o McDonald’s resolvesse servir comida em um bistrot exclusivo. Não há correlação com o público: aqueles que procuram as refeições da rede não seriam os mesmos que pagariam pela exclusividade do “McGold Premium” ou “Black Mac”. Enquanto a média de preço das garrafas de aguardente não chega aos R$10, a destes lançamentos “Premium” fica bem acima dos R$100 – e só é vendida em locais exclusivos.

aguardente industrial pode ser uma cachaça premium?

Seguindo a metáfora com a rede de fast food, não seria mais estratégico aumentar a qualidade do lanche do que fazer um bistrot para um público diferente daquele do restaurante? Creio que sim; e é inclusive esta a estratégia que o próprio McDonalds usa. Nos últimos anos, a franqueadora americana reformou todas suas lojas para atender às novas exigências de seu público trocando sua imagem de fast food para a de um restaurante com atmosfera mais confortável.

O movimento dos principais concorrentes de McDonald’s, como o Burger King, que foca no “verdadeiro” hamburguer feito só na hora do pedido e grelhado na “brasa de verdade”, também pode ter forçado a categoria para cima. Fast food não precisa ser sinônimo de comida ruim. E aguardente industrial também não precisa ser sinônimo de pouco valor.

Uma coisa é verdade, as edições especiais podem até elevar a imagem de marca das fabricantes. “Olha só, a marca tal produzindo uma coisa tão chique”: é essa a impressão que fica. Mas essas ações não me parecem dar conta de elevar sensivelmente a imagem do produto que ainda fica lá em baixo na gôndola – a aguardente comum, que continua nesse “limbo” dos varejistas: a prateleira inferior.

Para fazer a caninha industrial chegar à altura que merece ela também merecia um pouquinho de mais investimento. O que não significa sofisticar: falo por exemplo em mais cuidados com plantio e colheita de cana, fermentação, descanso da bebida – quem sabe trazer mais sabor também para a bebida industrial? (veja discussão sobre o sabor da Cachaça)

Outro ingrediente que merece atenção é o “marketing”. Para quem não está acostumado com as dinâmicas de mercado, pode achar a ideia meio “maquiavélica”. Mas a esmagadora parte dos produtos que consumimos hoje – da água mineral ao combustível do seu carro – tem “marketing” como ingrediente fundamental. Um bom “marketing” faz parte de uma boa imagem. Neste quesito Sagatiba (coluna) e Leblon (alambique) tiveram papel histórico no mundo da bebida branca. Apesar de ambos levantarem um debate sobre o qual já falamos aqui também (o da Cachaça que imita a vodca para se valorizar), as duas trouxeram para o mundo da Pinga um trabalho de marketing nunca antes visto na categoria. Ambas realizaram um bom investimento, tendo tido resultados inegáveis, no caso da primeira principalmente (a Leblon ainda é pouco conhecida por aqui, pois focou mais no mercado externo). Ainda não é tudo, tampouco o fim da linha. Mas um “marketing” bem feito, embalagens bonitas e boa distribuição são essenciais.

E é isso que eu aposto, como disse antes que a aquisição de Ypióca pelo grupo Diageo pode trazer para o mundo da pinguinha industrial. Puxar a categoria para cima forçando assim um aumento na qualidade, e não apenas no lançamento de produtos chiques mas sem sabor ou alma. E este não deve ser só um movimento de [cachaca id=”3741″]Ypióca[/cachaca], mas também de [cachaca id=”3767″]51[/cachaca], [cachaca id=”9949″]Velho Barreiro[/cachaca], [cachaca id=”9944″]Pitú[/cachaca] – toda a turma.

É hora da Aguardente se conectar a novos “territórios”, trabalhar sua saída do universo do balcão, da negatividade; trabalhar de vez, por exemplo, para ser associada ao futebol; a comemoração; ao churrasco; à feijoada; à “comida”, enfim: à euforia. Em outras palavras: quando ouvirem a palavra “cachaça”, as pessoas têm que parar de pensar em bebedeira, no cara que vai para o bar beber até se embriagar; e começar a associá-la a momentos de comemoração sadia (e responsável), alegre, com um consumo mais positivo. Assim como a cerveja está associada à praia, aos amigos; ou a tequila às baladas, para os jovens. Para isto, é necessário investir em campanhas estratégicas para tirar a aguardente deste universo negativo presente no imaginário brasileiro, aproximando-a de idéias mais bacanas, e que tenham a ver com o consumo do produto. E claro, sempre consumindo cachaça com muita responsabilidade. (se quiser ler mais sobre a questão, sugiro este texto sobre cachaça e alcoolismo).

Apesar de ser adepto do sabor da cachaça feita em alambique de cobre – e acreditar que a indústria também poderia seguir a trilha do whisky, que produz grandes quantidades com qualidade controlada em alambiques grandões e profissionais, a aguardente industrial também merece investimentos na qualidade do produto. Afinal de contas mesmo aqueles que gostam de bons restaurantes, sabem como é valioso, divertido e necessário de vez em quando visitar um Fast Food.

Um abraço e até o próximo post!

FOTO: usuário FLICKR bdboikot, sob licensa creative commons.

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